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Artigo de Opinião

16/07/2022 08:00

É muito importante, para mim, comer. Não é por isso que considero que a comida deve ser gratuita. Aliás, é mesmo preferível pagar, uma vez que a alternativa seria eu ter de dedicar grande parte do meu tempo a produzir as minhas próprias refeições, literalmente de raíz. Teria de abdicar de outras actividades para ter, depois de semear, cuidar, colher, transportar, moer, transportar, misturar e cozer (é possível que me tenha escapado algum passo), um pãozinho para comer. E se quisesse barrar o pão com qualquer coisa, mais tempo e trabalho teria de sacrificar. É por preferir não sacrificar o meu tempo e energia naquelas actividades, que estou disposto a trocar parte do fruto da minha própria actividade pelo esforço de terceiros.

Num livro publicado no século XVIII (The Wealth of Nations), Adam Smith resumia este princípio da seguinte forma, que passo a traduzir: "Não é pela benevolência do talhante, do cervejeiro, ou do padeiro, que contamos com o nosso jantar, mas pela sua atenção aos seus próprios interesses."

Porque é que o tal jogo não tem entrada gratuita? Porque o proprietário do complexo onde se realiza tem gastos com a sua manutenção, porque ambas as equipas têm gastos com os seus jogadores — profissionais, no caso, e por isso onerados — e correm riscos de ter mais gastos com eles de cada vez que jogam (lesões e coisas que tal). Os jogadores, os treinadores, todos os funcionários necessários para a realização do evento, não o fazem apenas para gáudio dos fãs da bola, mas antes sacrificam o seu tempo e energia em troca do valor com que compram outros produtos. O seu próprio interesse não é oferecer entretenimento aos consumidores de futebol por pura benevolência.

Falando no geral, podemos afirmar que quem produz alguma coisa (seja objecto ou serviço) para venda, o faz por egoísmo — até mesmo ganância —, mas não nos podemos esquecer que apenas tem sucesso quem vende o que nós (alguém, em número suficiente) queremos. Também é bom notar que quem compra o faz, igualmente, porque quer o que é vendido; também o faz por egoísmo.

Outra coisa que convém ter sempre em mente quando se critica o vendedor, cuja ganância nos impede de ter acesso ao seu trabalho de forma gratuita, ou ao preço que eu quero, que todos somos vendedores. Todos vendemos o nosso trabalho; uns fazem-no contratando um valor mensal mais ou menos fixo em troca de um certo volume de produção, outros fazem-no de transacção em transacção, conforme a procura e à mercê desta. O dinheiro, esse, não é mais que o certificado do valor que terceiros deram ao nosso trabalho. No fundo, uma ferramenta de simplificação das trocas.

Parece complicado, mas não é. Todos temos tempo, habilidades e capacidades limitadas. Se queremos usufruir do que não conseguimos, ou não queremos, produzir, temos de premiar quem o produz, caso contrário este produz apenas para o próprio. Poupa-se ao trabalho.

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