Os trabalhos começam logo pela manhã.
Quando as portas se franqueiam, ficam demasiado estreitas para a pressa com que todos querem sair em hora de recreio. Atropelam-se, empurram-se e logo se abre a gritaria. Vozes agudas, correrias sem destino, agrupam-se por amizades, por interesses, por combinações, por temas. Alguns trazem bolas, e logo se organizam desafios ou remates. De vez em quando há a voz duma auxiliar, em alerta para riscos e cautelas. Os gritos são de festa, liberdade e euforia. Oiço-as do meu quintal, a confrontar com o campo de jogos duma básica do primeiro ciclo.
É o último dia de aulas. A vozearia é mais forte. Celebram-se as férias que chegam, as aulas que findam. Há apresentação de danças e canções, disputam-se os últimos desafios do ano escolar. Há lanche melhorado, palavras de convidados e diretor. Há agradecimentos, despedidas, votos, saudações. Há abraços, lágrimas, que alguns vão-se dali, porque mudam de ciclo. Permanecerão as memórias de bons e inesquecíveis momentos, que um dia serão recordados com nostalgia.
É o que me está a acontecer. Transporto-me à infância. Não, não havia nem autocarros, nem carrinhas dedicadas ao nosso transporte. Calcorreávamos a pé longos caminhos, desde madrugada escura, carregando livros, cadernos, lancheiras. Muitos descalços e de roupa insuficiente para os rigores de inverno. Na mesma sala, os quatro anos da primária. Rapazes separados das meninas. A tabuada entrava cantada. As letras eram desenhadas em cadernos de duas linhas. E ninguém se atrevia a usar a mão esquerda. Logo havia uma pancadinha a lembrar que escrita era com a direita. A história era papagueada linha a linha. A geografia obrigava-nos a saber todas as serras do País, os rios e afluentes.
Até as linhas férreas, com as paragens e apeadeiros, quando nem sabíamos o que era um comboio. Apenas que era uma espécie de serpente que deitava muito fumo e fazia: pouca-terra, pouca-terra, pouca-terra...
E no ditado, cada erro cada reguada ou vimada. Talvez por isso, muitos de quarta classe antiga escrevem com menos erros do que doutores de agora...
O certo é que, ultrapassadas as diferenças, a escola primária ou de primeiro ciclo desempenha papel fundamental na formação das mulheres e homens deste País.
Admiro os professores, muitas vezes responsáveis pelas quatro classes ou anos primeiros em simultâneo. Deslocados para recantos longínquos, eram de uma dedicação a todos os títulos notável, construtores de bases, fazedores de comunidades solidárias e cultas. Lançavam-se em iniciativas marcantes, inovadoras, portadores mais de missão e vocação, do que no mero exercício duma atividade profissional com que se ganha a vida.
Estamos em plena semana regional das artes.
É fantástico o trabalho que apresentam os nossos alunos mais jovens. Uma criatividade ímpar em tantos aspetos que nem sonhávamos. Sim, é na música, na dança, no teatro, na expressão plástica.
Espetáculos de animação, e tantas exposições!... São os corais, os cordofones, os combos de música moderna, as pinturas, a banda desenhada, o ponteado, as bandas rock. Sem esquecer a inclusão...
A semana regional das artes é uma festa, uma partilha do imenso trabalho, seguramente feito com entusiasmo, alegria e muita dedicação. Ao ver esta imensa criatividade, temos de estar orgulhosos e seguros de que as novas gerações estão a caminho da construção dum País melhor.
Envolvidos neste projeto, os professores competentes e dedicados, os pais e familiares que se disponibilizam para proporcionar aos alunos a oportunidade de usufruírem desta complementaridade formativa, sem esquecer os responsáveis autárquicos e governamentais.
Todos a contribuir para que ganhem asas e breve possam voar por outros céus, os nossos jovens, que são já o orgulho duma comunidade que desbrava caminhos e métodos novos, sem receio dos desafios com que se vão deparando, prontos que estão para ombrear lado a lado com o que de melhor se vai fazendo por aí fora.
Já ganharam o seu lugar bem vincado na comunidade a que pertencem. Bem-hajam! Estamos orgulhosos convosco!