Aprendi que “ser amigo de alguém é um percurso que se cimenta num diálogo face a face, que exige tempo disponível, abertura e aceitação da diferença”.
A verdade é que cada vez mais somos confrontados com casos em que as amizades têm muito pouco de encontro, de tempo para apreciar a soleira do instante, de aceitação da diferença.
Quantas vezes as pessoas são confrontadas nas redes sociais e em aplicativos com pedidos de amizade que se podem tornar destruidores da mais elementar regra básica de respeito pela condição humana.
Há dias uma jovem, emocionalmente desfeita, transmitia que terá aceitado um pedido de amizade de um jovem que depois lhe terá dito “olha sou teu amigo e por isso tenho de te dizer que andam a circular no telegram fotografias tuas em que estás nua. E eu quero ajudar-te! Podemos encontrar-nos? Sei onde estudas e onde moras!”
Após alguma pesquisa, feita por bons amigos, verificou-se, com recurso à inteligência artificial, que, no telegram e também já em alguns grupos do WhatsApp e do Instagram, circulava uma fotografia da jovem nua e numa praia.
Efetivamente, com alguma análise de pormenor, constatava-se que o tamanho das mãos não era o real e que por ali existia alguma intervenção da inteligência artificial. A verdade é que a carinha era a sua e estava associada a um corpo, nu, que não era o seu e que andava a circular entre vários grupos de homens e até de famílias com o comentário “vejam bem esta maluca!”.
Ora, aquela fotografia e as imagens de muitas jovens mulheres com conteúdo sexual e pornográfico circulam a uma velocidade estonteante.
Não se olvide que aquela divulgação, sem que se tenha verificado o consentimento da visada, e que foi efetuada por várias pessoas, algumas das quais conhecemos (onde estão pessoas que são pais, mães, tios e tias), tem o alcance de destruir a sua vida, a sua dignidade, a sua integridade e de constituir um ilícito criminal, previsto e punível pelo artigo 193.º do Código Penal com pena de prisão até cinco anos.
Infelizmente, temos verificado que as redes sociais e alguns aplicativos, mormente o telegram, têm contribuído para a divulgação de conteúdos, de fotografias, de imagens de gravações, sobretudo de mulheres e sem o seu consentimento, com um cariz sexual e pornográfico, em que aquelas são retratadas como um mero objeto sexual. E que nunca se diga que “as mulheres se colocaram a jeito”, pelo facto de terem partilhado um conteúdo inofensivo e de intimidade com um ex-parceiro. Na verdade, essas mulheres apenas autorizaram a partilha para aquela pessoa e nunca para uma comunidade ou para grupos vulgares que têm por máxima a partilha de imagens e de gravações de mulheres, repita-se, com cariz sexual.
Contribuamos todos para uma mudança de comportamento em que a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, das mulheres é o bem jurídico a proteger. E sempre que tais violações acontecerem, então, que se apresente participação criminal contra os infratores que de uma forma vil destruíram a vida de tantas e tantas mulheres e jovens e que se investigue, que se investigue e muito!
Todos, todos temos de alcançar que não nos é legalmente admissível partilhar conteúdos fotografias, imagens, gravações que não são públicos e devassam a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual da mulher.
Não se olvide que estes comportamentos de divulgação têm levado à depressão de muitas mulheres, de muitas jovens que chegam, inclusivamente, a pensar no suicídio, pois consideram que a família e os amigos jamais as vão aceitar e em que a devassa da sua vida privada inviabilizará a obtenção de uma carreira profissional, por ausência de credibilidade.
Que cada um de nós nunca se sinta responsável por ter contribuído para a infelicidade, para a destruição do outro e quando tal acontecer, por comportamentos de devassa, então, que este alguém venha a ser responsabilizado pelos atos praticados e que a lei penal sanciona com pena de prisão até cinco anos.