Nos hospitais (o local de formação de excelência) as pessoas são treinadas, por vias da necessidade, a ignorar as pessoas a sofrer. Estranho? Infelizmente grande parte da atividade passa por isso. Imaginem, estão a tratar da doença de uma pessoa. De repente surgem vários pedidos de pessoas enquanto estão a observar a outra ou pelo corredor onde se deslocam. Termina-se o primeiro caso ou esquece-se e preocupamo-nos com os novos casos? Numa equipa de vários profissionais, em que cada um fica responsável por parte do trabalho, como se lida com o sofrimento das pessoas que não estão à nossa responsabilidade enquanto não acabamos os nossos deveres? Ignora-se. É este o treino necessário para conseguirmos sobreviver. Com a passagem dos anos, a necessidade de ganhar dinheiro e a exaustão que o sofrimento humano causa, torna a probabilidade de nos tornarmos emocionalmente incompetentes enorme. E com isso, passamos a ser maus profissionais. O pilar do respeito e dignidade, são os primeiros a desaparecer. O que as pessoas emocionalmente mais precisam é de serem tratadas como seres humanos, doentes e familiares. A saúde mental afeta a sobrevivência das doenças e ao agravarmos o estado emocional de alguém, estamos a diminuir a probabilidade da recuperação.
Depois vem a inevitável questão dos familiares. Esses seres aborrecidos e inconvenientes, que vêm incomodar os profissionais de saúde no seu trabalho. Quando trabalhamos nesta área, raramente sabemos o que é ser familiar de uma pessoa doente. Muito menos familiar dedicado de pessoas idosas. Há muitos anos, os Gato Fedorento fizeram o sketch “No chão não, no velhão”. Uma crítica mordaz para a forma como socialmente tratamos os idosos e o aumento das institucionalizações em lar e estruturas semelhantes. Com o aumento dos casos sociais e o pensamento pós-pandémico de “deixar morrer” por necessidade de gestão de recursos, criou-se um sofrimento adicional quando se tem um familiar acima dos 65 anos hospitalizado. Os familiares já não têm só o sofrimento de ter alguém internado, como têm medo de que esse familiar não esteja a ser cuidado da melhor forma. Assim, o que os familiares mais precisam é de ser ouvidos, apoiados, cuidados e tratados com respeito. O segredo para diminuir os casos sociais é o respeito humano, não a chantagem habitual de “estar a abandonar o seu familiar”. Os problemas não se resolvem com guerras, mas com respeito, compreensão e muito, muito diálogo. Mas os familiares são tratados muitas vezes como baratas, “toca a fugir antes que nos vejam”. Mais triste, é ser médico e ser tratado da mesma forma. Têm duas opções, ou são robôs sem emoções e descobrem as informações de forma sobrenatural ou são humanos e com emoções e passam a ser o mesmo que o resto da escória de familiares, quiçá piores. Dar pouca informação e fugir o quanto antes, não vão saber demasiado e apresentar queixa pelo mau serviço prestado. Pelo menos assim se passa na Madeira.
Com os maus-tratos aos familiares, dificultamos o processo de luto, porque o que as famílias mais precisam é saber que o seu familiar está a ser cuidado e a paz possível em todo o processo. Não para a pessoa desistir do familiar vivo, mas para saber que foi feito o possível pela saúde e qualidade de vida do seu familiar. Como ressalva, este texto não foi inspirado por pessoas em cuidados paliativos, mas em internamento de doença aguda.