Se o jovem Nahel parece não ter obtemperado intransitivamente, o polícia não o fez transitivamente: as consequências é que não foram as mesmas. Nahel morava no bairro Pablo Picasso, perto de La Défense, centro da Finança e das multinacionais, cujo Arco enceta um diálogo contemporâneo com o Arco do Triunfo. Infelizmente, este diálogo parece não ser retomado nas sociedades coevas, onde coexistimos mas não interagimos. Há cada vez uma maior cesura geográfica, social, económica. Como podem sociedades assim, sem uma forte coesão social, singrar? Há um grande mal-estar nas periferias, e não falo apenas em termos geográficos. Há já algum tempo, pensou-se que o binómio centro-periferia estaria ultrapassado, e que seria substituído pelo de rede. Afinal, parece que não é bem o caso; valham-nos os electrões livres.
Algo que me tem surpreendido na cobertura mediática do que se passa em França é ver quase sempre o mesmo sindicato de polícia com elementos próximos da extrema-direita a intervir nas diferentes televisões, que utiliza comunicados incendiários como o facto de os polícias estarem «em combate» contra as «pragas» pois estão «em guerra», pedindo que se «imponha» a calma a essa «horda selvagem». Também me surpreende o facto de quase não ter visto jovens dos ditos «bairros difíceis» a intervir nos meios de comunicação social. Aquando das revoltas urbanas em 2005 criou-se o Bondy Blog, meio de comunicação em linha, para dar a palavra aos habitantes dos «bairros populares», e, quase vinte anos depois, a sua missão é ainda mais necessária pois como poderemos ousar a empatia sem conhecer o quotidiano de quem quase só nos é dado a entrever pelas más razões? Isto é ainda mais importante quando os jornalistas de Le Journal du Dimanche estão em greve - o jornal já não sai há dois fins-de-semana - desde que se soube que o seu novo proprietário quer impor como director, Geoffroy Lejeune, alguém conhecido pelas suas posições de extrema-direita.
Há que ter um debate nacional sobre a desigualdade de oportunidades e de como isso corrói uma sociedade. É bom, mas também sintomático, que, em França, as pessoas se possam candidatar sem divulgar o seu nome ou a sua imagem para não serem vítimas de discriminação no acesso ao emprego. Só numa fase posterior da selecção é que se saberá quem é o real candidato.
Além disso, o Conselho da Europa já alertou as autoridades francesas para a necessidade de combater e prevenir a utilização de perfis étnicos, que se declina, por exemplo, nos controlos de identidade discriminatórios em que é vinte vezes mais provável que quem pareça árabe, magrebino ou negro, seja controlado comparativamente à população geral nas mesmas circunstâncias.
Nada justifica a violência e esta deve cessar. O que se resolve com um ataque contra o domicílio de um presidente de câmara, com vandalismo, com a despropositada morte de um bombeiro? Ouçamos a avó de Nahel no seu apelo para que se instale a calma: «são as mães que apanham os autocarros, são as mães que andam na rua». Protegendo as mães, protegemos a nossa República.
O rapper Rohff lembra que estas não são apenas as nossas crianças mas também as da República, e acrescento que a República não as pode enjeitar.