Em dia de Carnaval, só posso falar sobre a alegria. Mesmo que os dias não se apresentem limpos. Mesmo que haja muita coisa a puxar os nossos olhos para o chão, deixem-me falar de alegria. Deixem-me lembrar o tempo em que o carnaval se fazia de risos e malassadas, em que as ruas tinham céus de serpentinas, em que as casas cheiravam a óleo quente e que os adultos eram cúmplices nas brincadeiras dos miúdos.
- Mascarados, mãe...
E as mães vinham para o quintal ou para a rua (quando a rua era o quintal e o lugar dos encontros) e tentavam adivinhar quem eram e em que casa iam entrar...
Nesse tempo, o carnaval era apenas a alegria de brincar,
- vais vestir-te de quê?
e a gente ria, porque o disfarce era o que calhava, o que havia nos “vestuários” antigos [tão mais poéticos do que “guarda-roupa”], o que se improvisava, o que se inventava de gargalhadas.
Nesse tempo, o carnaval brincava-se entre as cozinhas e o caminho. Entre a minha casa e a do Sr. Ramiro, havia um dossel de serpentinas, de cores variadas, que se enrodilhavam nos fios da luz e teciam teias de alegria e inocência.
Começávamos de manhã, a experimentar os vestidos velhos e as gravatas do pai, a estrear as máscaras que, em anos bons, tínhamos comprado na papelaria Condessa – não me lembro de outra. Andávamos dentro e fora,
- vou entrar,
lambuzados de mel e de açúcar, com as mãos pegajosas, a pedir às avós que cosessem, que apertassem, que arranjassem, que compusessem.
De tarde, andávamos rua abaixo, rua acima, mascarados, organizados em trupes, de luvas calçadas para não sermos identificados, soprando em apitos guardados de ano para ano, fazendo barulho
- são mascarados...
E ninguém levava a mal.
Hoje, já não me visto de nada, no dia de Carnaval: o Carnaval não me diz nada. Mas continuo a acreditar na alegria. E no valor higiénico de uma boa gargalhada: sei que faz bem, que ajuda a abrandar as dores, que adoça as amarguras, que nos aproxima uns dos outros, que contagia.
Em dia de Carnaval, precisamos muito de nos lembrar da alegria e de agradecer aqueles que, na nossa vida, nos fazem rir, mesmo quando a nossa vontade é de chorar.