Estreou uma nova temporada da novela política em volta do tema do Orçamento de Estado. Desta vez, para manter entretida a indiferente massa de eleitores, o orçamento parece ter sido amarrado pelas pontas a possantes cavalos que se preparam para o estraçalhar, puxando cada um para seu lado. O que dali sobreviverá, se de todo, ninguém sabe.
Os autores do documento das intenções governativas, querendo evitar a morte anunciada do dito cujo, lá o colocaram no torno e torturaram o suficiente para que, meio estropiado, passasse. Ante a promessa de que a passagem seria possível, lá seguiu a vítima para o pelourinho, onde foi amarrada e preparada para o esquartejamento. Mas que orçamento é este que merece tal castigo? Que mérito terá que sequer faça sentido querer salvá-lo? Permitam-me oferecer-vos, nas próximas linhas, a minha opinião — que vale o que vale.
Este orçamento não é, parece-me, o orçamento ideal para o Primeiro-Ministro e equipa. Por via da configuração parlamentar, qualquer reforma digna desse nome será sempre abatida pelos partidos que vêem o Estado como o alfa e o ómega de tudo na vida de um indivíduo. Para esses partidos, é mais importante manter o status quo na distribuição do que é do contribuinte involuntário. Para eles é preferível manter a vigorosa mão estatal no bolso do contribuinte a deixar que o indivíduo decida onde e quando investir, poupar ou consumir. Afinal, é preciso que tudo fique no Estado, nada fora do Estado e nada contra o Estado — as clientelas que votam na autofagia a isso obrigam. E como não tem como implementar as reformas que diz (mesmo assim curtas, desconfio), parece que o PM quis antes apontar às suas intenções, dar sinal das intenções, e é este o mérito que lhe encontro. É pouco? É. É o possível? Assim parece, e talvez até já seja demais para quem se vê como o escolhido para liderar a nação ao conservador marasmo.
A perda do usufruto do erário público para quem há muito se acha dono dele é, acredito, muito doloroso. Para quem depende da distribuição de benesses para manter o poder, não controlar essa distribuição é fonte de ansiedade. Para quem pretende usar o poder do Estado para controlar e conduzir as escolhas dos agentes económicos, é aterrador não ter as rédeas na mão. Vêem o orçamento como a oportunidade do outro para distribuir e comprar votos — porque é o que fariam; foi o que fizeram... e têm feito. Por isso querem muito que corra mal, daí o esquartejamento.
Também há, no meio da turba que incita os cavalos, quem queira criar confusão para se erguer sobre os escombros, mantendo o mantra do Estado, Estado, Estado. Dizem que até querem baixar impostos, mas depois querem distribuir o dinheiro que esses impostos trariam. Prometem sol na eira e chuva no nabal, sem pensar na realidade — nem têm porque não vão eles ao volante. E entre quem conduz, quem acha que só ele é digno de conduzir e quem mete a mão no volante a ver se corre mal, quem sofre é quem vai sentado lá atrás.
Quem é o culpado? Nenhum deles. Eles, os estuporados que se digladiam nas assembleias, apenas agem conforme os sinais que lhes damos. Quando pedimos mais coisas gratuitas, mais preços controlados à força, mais empresas públicas, estamos a pedir mais despesa do Estado, mais impostos, mais opressão. E eles, os heróis-sacripantas em que votamos, só reflectem o que somos: um povo que não se governa nem se deixa governar, mas que tem prazer em lixar o vizinho em troca do subsídio.
Mas o vizinho também sou eu...