Sobre isto, e antes de mais considerações, duas notas: a primeira é que não se trata verdadeiramente de uma isenção de IVA, onde o imposto não é devido e não é cobrado, mas sim de uma taxa zero de IVA, onde o IVA é aplicado, mas a taxa é definida em zero por cento, o que significa que o imposto é devido, mas não é cobrado. É o que resulta da leitura do artigo 1º do referido diploma. Ao mesmo tempo, os comerciantes terão o direito de deduzir o IVA pago nas suas compras relacionadas com a venda desses produtos alimentares. Ou seja, mesmo não cobrando o IVA ao consumidor final, têm o direito de o deduzir nas suas despesas e abater na sua contabilidade fiscal. É o que resulta do n.º 2 do artigo 2º da Lei.
A segunda questão, desde logo a mais óbvia, é que, sendo verdade que a isenção da cobrança do IVA nos produtos alimentares essenciais pode implicar uma redução do preço desses produtos para os consumidores, mas isso não significa que haverá uma diminuição automática e garantida dos preços.
De facto, a relação entre a isenção da cobrança de IVA e os preços dos alimentos é complexa e pode variar dependendo de diversos fatores, incluindo o mercado, a concorrência, os custos de produção, a procura dos consumidores, a sua margem de lucro, e de muitas outras razões. Além disso, as cadeias de fornecimento de alimentos podem ser longas e envolver múltiplos intermediários, o que pode afetar a forma como a redução do IVA é passada aos preços finais. Em teoria, a isenção de IVA nos produtos alimentares essenciais pode levar a uma redução dos preços para os consumidores, uma vez que os comerciantes podem optar por refletir a baixa do imposto diretamente aos preços de venda. No entanto, na prática, como outros fatores também podem influenciar os preços, nada garante que a partir de hoje os preços automaticamente baixem.
Pelo que, temos que perguntar: qual a eficácia desta nova medida do Governo da República? Temo que seja igual à taxa do IVA. Zero.
Senão vejamos. O que torna uma obrigação legal… obrigatória?
Uma obrigação legal torna-se obrigatória quando é imposta por uma lei ou regulamento numa jurisdição específica e é vinculante para as partes envolvidas. Em geral, uma obrigação legal é estabelecida quando há uma norma que determina que uma pessoa ou entidade deve cumprir certas ações ou abster-se de certos comportamentos. E condição necessária para que seja cumprida é a sua aplicação coerciva. Ou seja, uma obrigação legal pode ser aplicada coercivamente pelas autoridades competentes, que têm o poder de impor o cumprimento da obrigação e tomar medidas corretivas em caso de violação. Isso pode incluir sanções, multas, penalidades, ações judiciais ou outras medidas que visam a impor o cumprimento da norma.
Ora, nos casos em que uma norma é estabelecida como "obrigatória", mas sem que exista um mecanismo específico para fiscalizar ou sancionar o não cumprimento, a aplicação da norma irá depender de fatores como a boa-fé das partes envolvidas, a autorregulação do setor ou a pressão social e moral para cumprir a norma. Ou seja, por outras palavras, irá depender da vontade das pessoas em a cumprir.
Pois bem, esse é o caso desta Lei n.º 17/2023. Não prevê qualquer obrigatoriedade de baixar preços nos produtos em causa, nem prevê qualquer mecanismo sancionatório para os eventuais prevaricadores, no sentido de não ajustarem os preços à não cobrança do IVA. Exemplo, se um operador económico manter o preço do leite igual ao de ontem, mesmo deixando de cobrar o valor do IVA hoje, qual a sua penalização? Igual à do imposto em causa: ZERO!
Como em Portugal a fixação de preços obedece às regras do mercado, com base na oferta e na procura, sujeita às regras aplicáveis, e não existindo nenhum mecanismo especial neste novo diploma que obrigue a baixar preços (a não ser o isentar a cobrança do IVA de uma lista de produtos), a verdade é que esta resposta do Governo da República é verdadeiramente uma mão cheia de nada. Quis-se vender este mecanismo como a solução para algo que o Governo não tem mão e vendeu-se uma ilusão às pessoas. No final, o problema continua por resolver.
Agora, como antes, continuará a mandar as regras do mercado. Dificilmente veremos grandes efeitos reais nos preços dos alimentos, nomeadamente na sua descida, desde logo porque não há qualquer obrigatoriedade de baixar preços, nem há qualquer sanção ou penalidade por quaisquer eventuais cumprimentos. O tal "acordo de cavalheiros" que o Primeiro-ministro tanto falou, vale tanto como a sua palavra para resolver os problemas do nosso país. Zero. Como o IVA.
Luís Miguel Rosa escreve
à segunda-feira, de 2 em 2 semanas