A artista plástica luso-americana Melanie Alves inaugura hoje em Paris uma exposição sobre as mulheres de Abril, que inclui uma obra dedicada a Celeste Caeiro, a primeira apresentada em público desde a sua morte.
A mostra “Marias de Abril” insere-se no âmbito das comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, e vai estar exposta na Maison du Portugal – André de Gouveia da Cité International Universitaire de Paris, onde ficará patente até 9 de fevereiro de 2025.
Celeste Caeiro, a mulher que deu os cravos aos militares no dia 25 de Abril de 1974, um momento que ficaria para a História do país, morreu no dia 15 de novembro deste ano, sendo esta a primeira exposição que lhe dedica uma obra, ao lado de outros nomes marcantes do mesmo período.
De acordo com a informação divulgada pela artista, o trabalho a ser exposto integra 21 peças e cruza técnicas clássicas de Belas-Artes com linguagens contemporâneas, “funcionando a obra no todo como uma performance teatral, que oscila entre o real, o poético e o surreal”.
“Erotismo bordado em lenços, cabelo-propaganda feito de passe-vites, um banco-confessionário com fartas ancas e peito generoso e ainda úteros pensadores servidos à mesa, estas são algumas das propostas de Melanie Alves. O fio condutor é o vermelho”, especifica a porta-voz da artista.
Este trabalho tem como objetivo homenagear artisticamente, através de alguns exemplos reais, todas as mulheres portuguesas (aqui designadas Marias) que, pelas suas lutas — pessoais e coletivas, de forma privada ou pública, direta ou indiretamente — contribuíram para trilhar o caminho da Revolução, cada uma à sua maneira e dentro dos seus papéis, seja como filhas, mães, avós, esposas, domésticas ou profissionais.
Helena Pato, Maria Barroso, Natália Correia, Maria Lamas, Catarina Eufémia, Conceição Ramos, Celeste Caeiro, Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta são os nomes das personalidades que inspiraram este trabalho e que serviram de base para representar as lutas, mesmo as menos visíveis, das Marias de Portugal.
“O 25 de Abril é uma narrativa focada no masculino, sobretudo nos militares e nos políticos. Mas, é importante desconstruir esta ideia e mostrar que o cravo também é feminino. E foi o que fiz. Selecionei algumas mulheres-chave, estudei-as nas suas múltiplas dimensões, peguei em detalhes que as caracterizam e tornei-as simultaneamente sujeito e objeto artístico para que, desta forma, o seu legado precioso continue a ser exemplo”, afirma Melanie Alves.
Para contar estas histórias, a a(r)tivista social, como se classifica, partiu da constatação de que durante os 48 anos de ditadura do Estado Novo as mulheres quase não tinham direitos, e estavam reduzidas a cuidar da família e da casa.
Com o objetivo de libertar estas mulheres, a artista plástica resgatou, então, “o património doméstico que as acorrentava” — esfregonas, vassouras, máquinas de costura, agulhas, espremedores, raladores, chávenas, foices, fechaduras, formas de bolos, sinos, lãs, botões e tecidos, tais como gravatas, lenços, cortinas e redes mosquiteiras -, transformando-o “em verbo, em agente de mudança, em revolução em marcha”.
O resultado são 21 peças de diversas dimensões, que cruzam as diferentes técnicas de formação clássica, como retratos, desenho, pintura e escultura, com linguagens contemporâneas e conceptuais, como instalações de cerâmica e de têxtil, funcionando “como uma performance teatral em que o vermelho é o fio condutor”.
Além da temática no feminino, esta exposição fica ainda marcada por outra vertente que caracteriza a artista, a ecologia, com mais de 90% das peças feitas com desperdício e objetos em segunda mão.
Poesia erótica saída de lenços que sufocam; discos de passe-vites que são ao memso tempo cabelo e propaganda destruída, chá que acalma tensões servido ao patronato no dia da Revolução, uma mesa de úteros férteis de ideias que se juntam para ovular e ainda um banco-confessionário de Igreja cujas curvas voluptuosas do peito e das ancas alimentam prazeres, pecados e culpas, são algumas das propostas de Melanie Alves para celebrar as Marias de Abril.