Falam em segredo, as árvores. Precisam de silêncio para que o vento toque as cordas das vozes. Às vezes, é o assobio dos pássaros que lhes pauta a poesia. São poetas, as árvores. Tocam o centro de nós, sempre que nos sentamos no chão que nos oferecem e nos dispomos a escutar. Apenas a escutar.
Fui um destes dias, ilha adentro, à procura de um momento assim. Precisava de esvaziar o mundo que habita em mim, para - por algum tempo - permitir que as vozes das árvores fizessem morada nas feridas que os dias vão deixando. De farnel e pés (nem sempre) firmes, juntei-me a quem precisava do mesmo e fui. Sem sair da nossa terra, fui à procura de me encontrar.
Devo confessar que é difícil calar os pensamentos e ficar presente perante nós próprios, com o único objetivo de aprender com as árvores. Presas ao chão, elas crescem para o céu e vão abraçando outras árvores pelo caminho. Como se, juntas, fossem mais fortes. Como se, juntas, nos ensinassem a vida. E a generosidade: coam a força do sol, amparam a violência das tempestades, deixam passar a sombra e a luz na têmpera certa; são a casa dos pássaros e acolhem-lhes os ninhos, guardam os tesouros das aves que vêm doutras paragens e bordam uma renda no céu que só vê quem tem tempo.
As árvores dão(-se) até depois do fim. Sei disso, porque me plantei num tronco que a mão do homem cortou, porque a árvore tinha morrido de pé. Sei disso, porque os meus pés me contaram que, no chão que eu pisava, havia um manto de alimento para outras árvores que estavam a nascer. Sei disso, porque, ao alcance do meu olhar, havia tocos prontos para aquecer alguém ou para cozer o pão que me lembra a infância. Sei disso, porque escrevo nos papéis em que as árvores se transformaram.
As árvores ensinam-nos o desprendimento. E, para que isso aconteça, temos de aprender o deserto. E o silêncio.
Depois, depois retomamos os dias. E os dias ficam mais fáceis.