Há pessoas certeiras, com a mão certa e o pé assente no chão. Aquelas pessoas que levam a vida sem cometer erros, sem grandes dramas, sem grandes oscilações, contradições, pecados ou omissões. E, se calhar, assim é que deveria ser. Não sei.
A verdade é que não me incluo nesse eixo. Sou desarrumada, tardia, demasiado humana, com o que isso tem de bom e de mau. A vida sempre me foi aos trambolhões. Assim como em criança me lançava às árvores, aos muros, às escadas, ao asfalto em cima da bicicleta, assim continuou nesse ritmo aos soluços, golfadas pelo tempo, sempre mais rápido do que gostaria que fosse.
Não se aprende o voo, sem aprender a queda. É impossível manter a velocidade e o equilíbrio por longos períodos. Sabem disso os pássaros e os animais muito velozes. E também alguns lentos, mas com o conhecimento profundo das leis da terra e do ar.
Há uma sabedoria muda nos animais que gostaria de aprender. Aquela forma como se entregam à luz, como sabem exatamente a posição certa do sol e da sombra. Como a procuram ou como se deixam de nariz afinado contra o vento e os cheiros. Também aquela alegria das coisas simples. Mas, sobretudo, a entrega completa a cada coisa, a cada pessoa, a cada momento.
Talvez nos seja impossível aprender tudo isto na sua mais profunda verdade, mas há formas de nos aproximarmos. Não é um território de conforto, mas confesso que prefiro uma abordagem não asséptica da vida. Prefiro meter as mãos até ao fundo, mesmo sabendo da possibilidade de queimar a pele no fogo e no gelo que estão sempre certeiramente no fim das coisas, dos caminhos e das pessoas.
Mas o percurso de cabeça e coração não é feito a pensar no fim e na possibilidade de ferida, é feito a pensar na vida plena que se consegue quando se suspende o cuidado.
A vida inteira tem riscos, tem também uma alegria imensa e às vezes uma tristeza que entra na carne até ao fim. E muitas vezes fica aí nesse exato lado onde a dor se contamina e contamina quase tudo. Mas nenhum percurso é apenas o fim, que é coisa certa, inevitável e, talvez por isso, não deva entrar logo no início da história. Sabemos que os finais felizes foram todos gastos nos contos da infância.
Li hoje, num dos sábios cartoons de Hugo van der Ding: a seguinte frase: "Lendo os livros de trás para frente, não morre quase ninguém no fim". Infelizmente, este movimento ao arrepio da linha do tempo, é só mesmo possível nos livros. A vida é mesmo aos trambolhões e tudo morre no fim. Morre o tempo, o nosso, o único que podemos viver, morrem os nossos, morrem as horas, e talvez até o mundo como o conhecemos hoje. Daí ser necessário meter a mão e coração até ao fundo no percurso, porque essa é a única eternidade que podemos alcançar.
Há pessoas certeiras, com a mão certa e o pé assente no chão. Aquelas pessoas que levam a vida sem cometer erros, sem grandes dramas, sem grandes oscilações, contradições, pecados ou omissões.