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Artigo de Opinião

Professora Universitária

9/01/2023 08:00

O ano da graça, com o seu sabor de tempos em que a graça parecia ter mais peso nos corações dos crentes, colocou-me desde que comecei a pensar nas coisas do mundo sentimentos contrastantes: se, por um lado, sentia a expressão como uma espécie de garantia de esperança renovada, por outro, achava que se há tantos anos tínhamos recebido a graça e pouco tínhamos feito com ela, então, a graça andava desgraçada e tinha sido bem mal dada à humanidade.

Ainda havia a questão de que a graça era-nos dada e não conquistada. E, por defeito da minha história de vida de muito trabalho para ter o pouco que é meu, aprendi a achar que o que nos é dado sem ser conquistado é raríssimo. Quando há pessoas que têm muito sem o empenho e sacrifício da conquista, não entendem que a graça está longe para muitos e desbaratam a que têm, como se a tivessem recebido por direito. Há tantas assim. Aqui, como o arquipélago é pequeno, toda a gente conhece a história de alguém que obteve o seu emprego, o seu lugar, a sua estabilidade por relações familiares, económicas, políticas. São as estrelas "nepo", ou bébés "nepotismo", como são designados em Hollywood os descendentes de atores, realizadores, etc., que sobem rapidamente a escada do estrelato. O New York Times dedicou-lhes uma página e perguntou-se onde estava a meritocracia quando a maior parte das novas divas e divos de Hollywood têm sobrenomes sonantes e as oportunidades para os jovens atores que nasceram longe do corredor da fama são escassas.

Não se pense que o fenómeno é apenas circunscrito ao mundo dos filmes. Basta que um dos nossos jornais faça o mesmo exercício por cá e fica-se com uma ideia de uma rede de ligações em que no topo estão as oligarquias e por baixo os amigos dos oligarcas, convencidos de que a luz dos outros venha a refletir-se em si. E porque é que isso é mau? Afinal, em Hollywood, que mal faz ter um ator que é filho de atores em frente da câmara? Primeiro: atuar num palco não tem o impacto que tem agir nas políticas públicas, por exemplo, e aqui, se falha a competência, sofrem milhares. Segundo: não contribui, como aqui, para o baixar de braços de jovens e adultos em idade de trabalho que abandonam o território para lugares onde o mérito vale mais do que as famílias, sejam elas de sangue ou políticas.

A taxa de desemprego, o nível de pobreza elevado, a riqueza distribuída de forma não équa, a falta de emprego qualificado e bem remunerado: tudo isso pesa no despovoamento do território. Juntemos a isto uma região com um nível baixo de literacia política, em saúde e em direitos sociais, sem verdadeiras apostas reformistas em áreas como a saúde, o mar e a tecnologia, o clima. São razões válidas para o saldo migratório negativo da Região e o êxodo dos mais jovens e com melhor educação. Mas, há mais. Há a certeza de que a graça é paga com a aceitação das coisas como estão e que há que aceitar que para ter uma luz, ela só pode ser a que é refletida, numa conjuntura "casinhas do povo", uma coisa tipo em que a graça agracia os que têm graça, mesmo que não tenham talento para ser engraçados.

E assim vão-se os melhores. Não só aqui, mas também em todo o país. Só que por cá, na Região, é mais grave, já que não temos o poder de atrair os melhores de outros países em que se vive pior do que no nosso. Por isso, temos, como nos dizem os Censos, menos de 15% de licenciados a viver na Região. O despovoamento progressivo é um fenómeno crescente, que deve ser compreendido imediatamente como um problema político, de cariz público, porque provoca no território um desequilíbrio que gera efeitos devastadores na inteira economia regional. Drena recursos sociais e económicos, subtraindo capital humano e empobrecendo objetivos e oportunidades da comunidade e do território. É um limite real em relação ao crescimento e ao desenvolvimento e representa um grande fator de risco com consequências negativas sob diversos pontos de vista.

Quando a população de um lugar, a mais bem formada, acha que perdeu na distribuição da graça, perde o território na sua identidade, expressão, dando início a uma série de processos em cadeia que, se não enfrentados e contrariados a tempo, terão efeitos negativos irreversíveis na nossa sociedade. Que este ano seja um ano pela graça, em que o talento e o sacrifício dos jovens madeirenses não necessitem de favores graciosos, mas sejam recompensados com a criação de empregos, com oportunidades équas para todos e que se veja neles a garantia da graça da Região. É pedir muito, desejar uma mudança profunda? Tive vontade de ser utópica, e engraçada ao mesmo tempo, neste início de ano.

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