O modo como vivemos/socializamos, neste momento, não ajuda a prevenir os vazios perigosos.
É difícil distinguir o que é público, do que é privado. Estamos na casa de todos, sabemos o pijama que alguém usa sem dormir com essa pessoa, sabemos o que ela come sem almoçar com ela e até nos atrevemos a imaginar o que ela sente.
Costumo dizer aos meus pacientes que a nossa identidade é construída como se constrói uma casa. Só sabemos a qualidade da construção de uma casa nos temporais, nas secas, ou até nos terremotos. Os lutos, os traumas, o desemprego, as separações, as doenças físicas atingem-nos como atinge os terremotos numa casa.
Não há construções de casas perfeitas, todos temos fragilidades. Mas será que a nossa verdadeira casa existe ou é uma construção falseada? Cada vez mais tentamos esconder "os bolores da nossa casa", mas eles estão lá. Porquê que ninguém partilha os bolores? Fragilidade também se reflete no nosso lar. Há uma influencer que responde a pedidos para limpar casas de pessoas com diagnóstico de doença mental. É notório nestas casas/lares sujas/desorganizadas, o estado emocional destes doentes e de como podem até estar a instruir a construção de "casas frágeis" aos próprios filhos. Gente com vazio e que criaram oficinas do diabo onde ninguém reparou durante meses…
Faz-me confusão as "risadas" nas redes sobre comportamentos, nitidamente provocados por consumo de substâncias ou por doença mental. Como é que alguém que passeia nu, por exemplo, e que depois foi encaminhado (e bem) para o serviço de urgência, faz-nos rir? Pior que rir é gravar e partilhar.
A base destes comportamentos é acharmos que as "casas mal construídas" não são as nossas, são as dos outros. Os filhos problemáticos nunca serão os nossos são sempre os dos outros.
Mas afinal de onde vem o vazio interno? De tantas coisas, mas principalmente das dificuldades na nossa história de vida (Experiências traumáticas; falta de relações sociais; falta de propósito ou sentido de vida; excesso de autocrítica/baixa autoestima e tantas coisas mais).
Estas vivências podem "aldrabar e sujar a construção da nossa casa/identidade", fazendo-a desmoronar nos temporais.
Temos já um diagnóstico preocupante: Parecemos todos felizes!
Tudo pode ser evitado, através da manutenção de relações saudáveis.
O problema é que, nos dias que correm, as relações de intimidade passaram a ser relações onde se esconde a nossa vulnerabilidade. Isto deixa as pessoas cada vez mais sós.
Estamos na era "do aparente e não do que se sente". Há quem nunca receba ninguém em casa nem "abra a sua casa/identidade" a amigos. Mas os "bolores", na maioria dos casos nunca estão à vista. A maioria de nós não os quer ver, nem ajudar a limpar ou a tratar. Daí a grande surpresa, quando sabemos que alguém que se apresentava bem, tinha estudos e estabilidade financeira, agiu em resposta à sua grande doença mental.
Dificuldades, vulnerabilidades e história de vida pesadas todos temos. É humano sentir dificuldades emocionais sendo obrigatório procurar ajuda, quando necessário.
Para fugir da oficina do diabo é preciso ver o outro e permitir ser visto. Tirar o verniz porque, por debaixo de uma unha bem pintada pode estar um fungo bem escondido, que se não for tratado pode ser muito perigoso…