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Artigo de Opinião

Bispo Emérito do Funchal

7/01/2024 08:00

São Paulo, no seu pequeno escrito ao amigo cristão Filémon, faz um pedido em favor de Onésimo, escravo que fugira do seu patrão, pedindo como se fosse o próprio apóstolo, envia-o para o seu dono, para tratá-lo “como se fosse o seu próprio coração”.

Filémon era já cristão, Paulo era seu amigo, mas a fuga de um escravo era sempre castigada com a pena de morte do fugitivo. Paulo continua: “dá este conforto ao meu coração, eu te escrevo certo da tua obediência”.

Apesar do magnífico texto de Paulo, o cristianismo aceitou a escravidão como uma realidade social e económica. O cristianismo aceitou-o em certas circunstâncias. O próprio direito admitia que algumas pessoas podiam perder a sua liberdade e readquiri-la. Quando a Europa se expandiu pela América, no século XV, defendeu a liberdade dos povos escravizados, Bartolomeu de las Casas na América espanhola e, os padres jesuítas, Manuel de Nóbrega e Padre António Vieira na América portuguesa.

Em diversos estados, várias instituições eclesiais recorreram ao serviço de escravos para os trabalhos domésticos e agrícolas. No meio de muitas reservas, mas também de lutas pela liberdade, o cristianismo contribuiu para o reconhecimento da dignidade dos seres humanos. Felizmente que, no século XIX, se chegou à abolição dos contratos e depois da própria escravatura. Devemos ter em conta que antes, o Papa Gregório XVI opunha-se a todas as formas de comércio de seres humanos, o que contribuiu para um processo dentro da Igreja para a dignidade de todos os homens e mulheres. Não foi fácil a atitude de proibição, tanto mais que no ano de 1866, o Santo Ofício, que neste caso não merece o nome de santo, defendeu que, em absoluto, a escravatura não repugna” ao direito natural e divino.

No ano de 1888, o Papa Leão XIII dirige uma encíclica aos bispos brasileiros encorajando-os a colaborar no processo de abolição com as autoridades estatais, declarando-a “vergonha, peste, praga funesta e torpe mercado de homens.” Após as tomadas de posição da Igreja Católica, muitos missionários na sua evangelização lutaram contra a escravatura principalmente em África, donde tinham saído muitos milhares de escravos para trabalharem nas Américas, como se fossem os nossos emigrantes. Devemos ter em conta que, mesmo hoje, muitos trabalhadores que chegam clandestinos à Europa, incluindo Portugal, devido às suas necessidades familiares, os patrões retiram os passaportes aos seus trabalhadores, coagindo-os a salários baixos, para não deixarem os seus trabalhos. Felizmente que estas situações tornaram-se públicas e foram resolvidas, ao menos em parte, pelas autoridades dos respetivos países.

Nós hoje, não somos pessoalmente responsáveis pelos acontecimentos do passado, mas temos de reconhecer que a nossa história está semeada de luz e trevas.

Hoje já não há escravatura? ela é ilegal e condenada em todo o mundo. Será mesmo em todo o mundo? Todos os atentados contra a dignidade humana são atos condenáveis.

O Papa Francisco, que é um paladino da liberdade humana e conhece o mundo melhor do que nós, escreveu: “Embora a comunidade internacional tenha adotado numerosos acordos com a finalidade de pôr fim à escravidão em todas as suas formas e organizado diversas estratégias para combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas, crianças, homens e mulheres de todas as idades- são privadas da liberdade e constrangidas a viverem em condições semelhantes àquelas da escravidão.”

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