É peculiar o modo como, às vezes, os impostos dos contribuintes são tratados nos jornais. Um exemplo recente é o conflito espúrio instalado entre gente com parca noção da sua responsabilidade e da importância - real, construída ou aparente - que um rali, no caso o Vinho Madeira, tem para os madeirenses.
Estou à vontade: não sou adepto do desporto em causa e não perco cinco minutos com radiadores, velas ou carburadores, componentes que não identifico, nem sei para que servem. Contudo, é simples perceber como se formaram as barricadas da equação. De um lado, está o senhor com tiques autoritários e seguidor de conspirações reveladoras de complexos. É o senhor cujo poder lhe caiu no colo. Do outro lado, está o senhor há tanto tempo à frente de uma instituição que até o confundimos com ela. É o senhor que não larga o lugar. Em português corrido, este diferendo no espaço público explica-se pelo impasse entre aquele que quer ver uma mão estendida e aquele que não quer estender a mão. A verdade é que com reuniões ou sem elas, com apoios ou sem eles, com classificativas ou sem classificativas, eis uma bela "especial" para gáudio e distração das massas. Culpados? Boa pergunta, sem resposta. No ocaso, esta história vai acabar como tantas outras: com um cheque passado por um e levantado, ou não, pelo outro. E tudo está bem, quando acaba bem.
Proíba-se a vida
Se o indígena amasse a liberdade, dispensaria certas intromissões do Estado e o paternalismo dos iluminados que julgam ter legitimidade para pastoreá-lo como se ele não soubesse distinguir o certo do errado, o bom do mau, o cisgénero do transgénero. Compreendo o drama. Num tempo de iletrados diplomados, os ocupantes do Estado aproveitam a deixa e relembram às velhas gerações e mostram às "gerações mais qualificadas de sempre" o que é o poder e a autoridade, uma missão que qualquer bom fascista abraça com amor e denodo. É o que está a acontecer com a perseguição ao tabaco e aos fumadores. Mas se viver já é por si só um risco grande, por que ficar apenas pela quase excomunhão do tabaco? Por que não tornar quase inacessível o álcool, o sal e o açúcar, carrascos que custam tanto dinheiro ao SNS? Ou às raspadinhas e às apostas que têm tantos viciados? Num outro patamar, por que não condicionar o acesso às redes sociais quando estas provocam vício, problemas mentais e evidentes custos para o SNS? Boas estocadas, e aproveito para acrescentar duas coisas: a primeira, é que estamos num país onde é mais fácil abortar do que nascer em segurança; a segunda, é que em breve vai ser mais fácil pedir para morrer do que conseguir ser atendido numa urgência. O currículo dispensa o cadastro. A decadência é irreversível.
Por agora, os fascistas concentram-se no ataque aos fumadores. Com sorte, fumar será um vício dos ricos; com azar, será uma miragem dos pobres; com ambos, será um negócio de clandestinidade. Fechado o círculo, que é como quem diz, com o fumador escorraçado para longe, o fascista olhará para novas vítimas, outrora convencidas da sua intocabilidade. Será o tempo de lançar a demanda contra os bifes de vaca, as bolachas e as bolas de Berlim. Excitado, o fascista continuará com uma época especialíssima de caça ao gordo, ao que tem mau hálito e ao que arrota entre uma garfada e outra. Na continuação, a praia será um paraíso sem cheiro a frango assado, sem música em colunas wireless, sem cães de todas as formas e, se não for pedir muito, sem tinta na pele já que as tatuagens também podem provocar cancro e custos acrescidos ao SNS.
Perante o delírio, não perco tempo a tentar explicar a importância da liberdade e da escolha individual e da correspondente responsabilidade a gente que não sabe o que a liberdade é. Na realidade, quem ainda aplaude esta intromissão - por inveja, fanatismo, ignorância ou egoísmo - merece a vida insonsa que o espera e o fascista que o vai controlar sentado na poltrona da sala. Mencken dizia que o desejo de salvar a humanidade é quase sempre um disfarce para querer controlá-la. Estava enganado. Não é preciso disfarçar.