Convido-o, caro amigo, a sentar-se aqui, no chão destas palavras. Às vezes, elas conseguem criar clareiras de esperança, nos dias sem conteúdo e nos lugares onde as ausências ocupam demasiado espaço, nesses dias que acordam do avesso, como se a noite teimasse em ficar.
Penso que lhe acontece, como a mim, achar que os pássaros se foram todos embora e deixaram buracos de canto nas rendas das árvores. Apercebi-me de que, nesses momentos, o melhor é procurar as notas que eles deixaram esquecidas, nos ramos ou, simplesmente, fazer aquilo que a Lourdes (que já deve estar na luz) nos ensinou a fazer: olhar as sombras e delas tirar o lado de lá. E o lado de lá é sempre o lugar do sonho, ou do futuro, ou dos caminhos inesperados.
Eu sei que os tempos não são fáceis. Sei bem o que dói pensar que o mundo não é exatamente aquilo que queríamos que fosse, que parece do avesso (exatamente como os dias vazios de asas ou como os invernos despidos de risos). Mas sei também que o pior grau da tristeza é a falta de sonhos. Por isso, não vamos deixar, meu amigo, de acreditar no amanhã, tenha ele o nome que tiver.
Se este chão de palavras que compomos juntos (só escrevo porque alguém me lê) servir para alguma coisa, neste bocadinho em que eu escrevo para si, que seja para lhe dizer que todos nós temos dias do avesso, que, em algum ponto do nosso caminho, nos apeteceu desistir, que todos temos dias de assim, sem vontade de lutar, que ninguém é feliz a vida inteira e que há sombras, silêncios, ausências, vazios na vida de toda a gente, mesmo na daqueles que parecem vender alegria… que não está sozinho, portanto.
Mas serve para mais. Serve para dizer que se há sombra, é que há luz, se há noite, é que há dia, se há silêncio, é que há canto, se há morte, é que há vida. E que é preciso plantar a esperança. Quem tem fé acredita que Deus cuida da sombra e dos que moram nesse lado da luz. Ele é o invisível que se corporiza em todos os gestos de amor, em todos os abraços, em todas as ternuras, em todas as almas, em todas as palavras que interessam. Acho que, com Ele, é mais fácil sentir que todo o avesso tem um direito e que, afinal, os pássaros não se foram embora, estão, apenas, um bocadinho mais calados.
Neste chão de palavras que tento arranjar (consigo - não faz sentido de outra maneira!), habita, pois, a vontade de lhe dizer que fomos feitos para ser felizes. Senta-se, aqui, comigo?