Era um grande chamariz na vizinhança e lá vinham as amigas do costume, a Gueide, a Lígia e a Sónia, esforçando-nos por meter meio corpo. Ninguém conseguia dar uma braçada, apenas ficar de molho. E que bom que era! De quando em vez, a minha mãe vinha trazer qualquer coisita para comer ou um Tang laranja e, algumas vezes, até tínhamos direito a gelados que ela fazia numa máquina híper mega moderna que afinal, não passava de uma espécie de panela/batedeira. Os meus preferidos eram os de morango, claro.
Para enganar o calor e alternando com a piscina, fazíamos umas tendas com mantas e lençóis velhos, recriando mercearias, cabeleireiros e lojas onde se comercializava uma grande variedade de produtos que eram pagos à caixeira (eu tinha uma máquina registadora de brincar) com dinheiro do monopólio. Os clientes eram obviamente os rapazes que ficavam do lado de fora do quintal e que íamos aliciando com conversa fiada, "treinando", pelos vistos, para o futuro que nos aguardava sedento.
Às vezes e, para acalmar os ânimos, ouvíamos música num gira-discos portátil do meu pai, a quem eu pedia autorização para trazer para o quintal. Eu aproveitava esses momentos para ler. Andava viciada nas aventuras dos Cinco, e nas desventuras Gémeas de Santa Clara, que eu até achava poderem estar internadas no Convento, ali ao lado.
No entanto, e apesar do quintal ser um mundo infinito de (im)possibilidades, também brincávamos na rua. Havia que fazer concessões e jogar aos banquinhos, à matança, ao "lá vai obra" porque caso contrário, nenhum dos rapazes nos emprestaria o Skate. Uma das coisas que eu mais gostava era subir ao muro para altear o papagaio feito com papel de jornal do dia anterior. Mas o momento mais alto era quando, em vez do papagaio, eu exibia uma joeira toda catita que a minha avó Cidália fazia com papel de seda colorido que comprávamos aos quadrados na Padaria da Conceição. Que delírio e que desilusão cada vez que a dita ficava presa num fio de luz sendo impossível resgatá-la.
Poderia continuar a descrever as brincadeiras e os jogos da minha rua. Seria uma crónica interminável porque a infância é uma espécie de eternidade tornada oração. Mas vou rematar com um tempo em que pegou de moda brincar ao Espaço 1999 e, em que transformávamos a rua numa nave espacial, ora a vaguear segura e determinada pela galáxia, ora ameaçada por um qualquer inimigo verde e disforme ou, ainda estacionada numa doca num planeta chamado Bairro dos Moinhos. Nos momentos mais tensos comunicávamos em código Morse usando as tampas do correio, as campainhas das portas e até os contadores da água cujos números eram portadores de mensagens secretas. Cada um de nós encarnava uma das personagens. Tenho que confessar que sempre quis ser a Helen, mas a resposta era sempre a mesma:
- Tás doida???!!! Como podes ser a Helen com essa cor???!!!!!!