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Artigo de Opinião

15/06/2024 08:00

«Quem teme o sofrimento sofre já aquilo que teme»Michel Eyquem de Montaigne, in “Da Experiência”

Foi no final dos anos 80 que conheci o Virgílio, um homem inteligente e bom conversador, de origens humildes, repúblico e republicano, que entrou em Direito por altura do 25 de Abril. A morte do pai apanhou-o entre a efervescência do Tempo a inércia da pesada e conservadora Universidade de Coimbra. Determinado, foi trabalhar, para poder continuar a estudar, até que a morte prematura do seu primo Xico, poucos anos mais velho e sua figura de referência, agravou uma depressão que se tornou crónica e lhe eternizou a condição de trabalhador-estudante por mais alguns anos.

De vez em quando, partilhava episódios da infância e adolescência passada com o primo Xico pontuados por situações trágico-cómicas e pela invariável pergunta «E agora primo Xico?» antes de qualquer conclusão.

O mais curioso foi o modo como, para ele, a pergunta se foi tornando numa fórmula de invocação da consciência e da razão. Perante qualquer situação difícil ou de dúvida inesperada lá vinha um «E agora primo Xico?», como se tentasse imaginar como decidiria ou se desenrascaria o tal primo. Como tantas vezes acontece a expressão deixou de ser do Virgílio para ser de todo um grupo de amigos que nunca conheceram o Xico, e muito menos o tiveram como primo.

Nos últimos dias tenho-me lembrado do Virgílio e do seu primo Xico.

Na sequência da gigantesca operação de buscas simultâneas a várias figuras proeminentes da política e das empresas madeirenses realizada no final de janeiro, o Presidente do Governo Regional apresentou a demissão ao Senhor Representante da República. Não vou especular se o fez por impulso, imperativo de consciência, pressão interna ou externa. Fê-lo e, ao que parece, arrependeu-se. Mas já era tarde.

Numa altura em que estava prestes a discutir-se e votar-se o Orçamento Regional para 2024 (dois meses mais tarde do que o normal, diga-se), o Senhor Juiz Conselheiro quis dar a oportunidade à ALRAM para que se fizesse esse debate. No entanto, Miguel Albuquerque decidiu retirar a proposta, numa espécie de jogada de antecipação, já que a necessidade de um orçamento podia ser usada para pressionar o Presidente da República para que não convocasse eleições. Mas, não resultou.

Havendo eleições antecipadas poderia ser um trunfo eleitoral para mobilizar o voto útil e conseguir uma maioria reforçada. Mas, não resultou.

Sem maioria, foi um argumento para que o Representante da República pudesse indigitar o Miguel Albuquerque para formar governo à pressa, deixando as oposições sem tempo para se organizarem numa alternativa estável. O argumento parece ter colhido, já que Irineu Barreto convocou os partidos ainda antes de concluído o apuramento geral e, acreditando numa solução fechada, apresentou um calendário inicial que previa a discussão programa de governo na primeira semana de junho. No entanto, o programa só foi entregue ontem, a discussão está marcada para a próxima quinta-feira, e a anunciada maioria estável parece sofrer de grande instabilidade, para ser simpático.

A pressão, de grande intensidade, faz-se agora no espaço mediático, ameaçando-se com o caos generalizado e as mais variadas pragas, omitindo que se não há orçamento aprovado tal deve-se à jogada política de Miguel Albuquerque e escondendo o facto de que se um governo em gestão e em duodécimos ter conseguido distribuir vários milhões, contratar serviços e abrir concursos ou que o Tribunal de Contas já fez saber que o PRR pode ser executado por um governo em gestão (ver JM 08.MAR.2024). Mas, resultará?

Segundo as declarações públicas do segundo, do terceiro e do quarto partidos mais votados, que representam 24 dos 47 deputados eleitos, a moção de confiança ao governo será rejeitada.

A confirmar-se imagino o dilema do Senhor Representante da República, sentindo-se enganado, enquanto se interroga, entre dois antiácidos:

«E agora, primo Xico?»

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