O cheiro a peixe é forte. Os 30 graus que se fazem sentir aquecem-me a pele, obrigando-me a pôr o cabelo num rabo de cavalo para combater o suor que vou sentindo acumular-se-me na testa. Os sons são barulhentos, ora apitadelas dos tuktuk, ora vendedores de rua a tentar atrair os turistas que vão passando. Estou no mercado de Cebu, uma ilha na região das Visayas, nas Filipinas.
Às costas, na minha mochila de 55 litros, tenho 10 quilos de roupa e uma data de outras coisas que vou precisar para os próximos seis meses. Mochila às costas e cá estou eu. Sozinha, abanando fervorosamente o leque que me custou 1,20 euros na barraca de uma senhora simpática, para combater a onda de calor.
Em conversa, a senhora perguntou-me de onde era. Trocámos algumas palavras, ela explicou-me um pouco sobre a história da ilha de Cebu - foi aqui que Fernão de Magalhães morreu. Em 1521, o navegador português trouxe aos locais uma figura do menino Jesus e acabou por converter o líder da ilha ao cristianismo. Este fim-de-semana que passou, os locais comemoraram o festival Sinulog, o maior evento cultural e religioso das Filipinas, e que celebra essa imagem do menino Jesus que Fernão de Magalhães ofereceu aos ilhéus. Dei por mim a pensar, quais seriam as chances de ter vindo a Cebu precisamente no fim-de-semana em que celebram uma oferenda tão significativa por parte de um dos mais importantes navegadores portugueses. ‘’Como o mundo é pequenino’’, pensei, até lembrar-me que demorei 40 horas a chegar a Cebu, desde a Madeira. ‘’Bem, pequeno, pequeno se calhar não é...’’
Depois de me ter contado alguns factos interessantes sobre o país, a senhora, que não podia ser mais velha do que 50 anos, de pele queimada pelo sol e cabelo já grisalho, diz-me: ‘’Mas estás sozinha? Vais ficar apenas pelas Filipinas?’’. Explico-lhe os meus planos. Que deixei o meu trabalho em Bruxelas para viajar pela Ásia durante seis meses, que depois sigo viagem para a Malásia, Indonésia, Sri Lanka, etc. ‘’Wow, tu és a Dora!’’
‘’Dora?’’, pergunto eu.
‘’Sim, Dora a Exploradora’’. Faz-me sorrir.
Decidir fazer esta viagem não foi algo tomado de ânimo leve. Foram meses de debate interno e com amigos e familiares. Foram muitas noites mal dormidas, a fazer listas mentais de tudo o que tinha por fazer, planear, preparar, tudo o que podia correr mal. Mas, no meio de todas as vozes que gritavam na minha cabeça, havia uma outra que me dizia: ‘’Mas e se corre bem? E se daqui a 6 meses voltas uma pessoa diferente, cheia de experiências para partilhar, depois de ter visto mais Mundo?’’
Essa voz ouvia-se mais alto. O medo da minha mãe é que estaria sozinha. Mas a verdade é que, ainda não estive sozinha. Todos os dias, ao telemóvel, seja por chamada quando dá devido à diferença horária, seja por mensagem, digo-lhe: ‘’Posso estar só, mas não estou sozinha.’’ E não estou. Estou com os locais que me deram 5 pesos filipinos porque não tinha troco suficiente para um café (tinha deixado a carteira com as notas no hostel), ou o australiano que me ajudou a levar a mochila até ao ferry, ou o funcionário do hostel que me trouxe uma compressa quente para pôr no pescoço porque me doía da viagem. Estou com a sueca que me convidou para almoçarmos, ou com o francês que riu-se da minha tentativa falhada de cantar Queen no karaoke (Filipinos adoram karaoke!). E estou também comigo. E com muitas outras pessoas que estão a fazer o mesmo que eu. Que decidiram não esperar por alguém para ir com eles e simplesmente pegaram na mala e foram.
Se tenho medo? Claro que sim. Estou sempre atenta ao que se passa à minha volta, o meu sentido de alerta é outro aqui. Mas o maior arrependimento que teria seria, na minha velhice, pensar em todas as coisas que queria ter feito e que não fiz porque tinha medo ou porque alguém não foi comigo. E essa é uma mágoa que não quero levar para a vida. Por isso, faz-se com medo mesmo.