Penso que esta lenda deve ser parte fundamental da formação em comunicação do PSD-M ao longo dos 47 anos em que está no poder (quase tantos como na ditadura). Vejamos, águas balneares conspurcadas com evidências que qualquer leigo identifica a olho nu? São microalgas, senhor! São microalgas! RAM com o maior índice de risco de pobreza, após meio século de governação laranja? São os critérios, senhor! São os critérios! RAM com o mais baixo poder de compra do País? São os invejosos, senhor! São os invejosos!
Tem sido este o paradigma da política na RAM, desde o 25 de abril. Usa-se e abusa-se das palavras, sem pejo, nem pudor, de tal forma que parece poder aplicar-se o poema de Jorge de Sena "Estão podres as palavras - de passarem/ por sórdidas mentiras de canalhas/ que as usam ao revés como o carácter deles (…)".
Esta técnica, repetida até à exaustão, funciona como uma anestesia, acontecendo algo semelhante ao que o poeta escreveu no mesmo poema: "(…) E podres de sonâmbulos os povos/ ante a maldade à solta de que vivem/ a paz quotidiana da injustiça. Usá-las puras - como serão puras,/ se caem no silêncio em que os mais puros/ não sabem já onde a limpeza acaba/ e a corrupção começa? (…)".
Se pensarmos no que tem acontecido à Madeira, percebemos que ela tem estado em regime de venda a retalho, numa lógica de mercado e de esquecimento dos interesses da população, relegando quem é mais vulnerável para uma situação ainda mais frágil. O acesso ao mar no Funchal é cada vez mais difícil e pior ficará com o que vai acontecer na Praia Formosa. Em 2014, o Governo Regional poderia ter adquirido esses terrenos por 3 milhões. Contudo, descartou essa possibilidade. Não tinha dinheiro, declarou! E preferiu entregar a Praia Formosa aos interesses dos privados. Mas encontrou 67 milhões para afogar na marina do Lugar de Baixo. E vai ainda usar vários milhões para construir outro cais, para proteger o Funchal de tsunamis, como afirmou Pedro Calado… Há dias, este responsável do PSDM contestava a obrigatoriedade de construir habitação social de acordo com as regras da UE (JM, 4/7/2023): vidros duplos, condições térmicas e acústicas, achando que a qualidade de construção deveria levar as entidades a questionar a sua entrega à população desfavorecida. Para essa "gente" não é preciso tanto, parece querer dizer o PSDM. Temos ainda o caso do CDS que se juntou aos laranjas, esquecendo a narrativa de oposição que dizia ter. Tudo a troco de lugares no GR, na administração e na Assembleia.
Percebemos que as pessoas se insurgem nas redes sociais ou em conversas de café. É a fórmula que usam para compensar a passividade com que aceitam todas estas situações de desigualdade. Votam sempre da mesma forma (ou nem votam) e, quando se queixam, dá vontade de perguntar: o franguinho estava bom? Já comprou o bilhete para a festa do PSDM na Casa do Povo?
Só podemos mudar o mundo, se nos transformarmos.
*Jorge de Sena