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Artigo de Opinião

Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira

8/10/2024 08:00

A notícia de que cerca de 5800 jovens na nossa região não trabalham nem estudam deveria ser um ponto de profunda reflexão para todos nós, não apenas como comunidade, mas como sociedade que se comprometeu a proporcionar um futuro melhor para as gerações vindouras. Estes jovens, conhecidos por vezes como “nem-nem”, são mais do que números ou estatísticas. São pessoas com sonhos adiados, esperanças frustradas e potencial não concretizado. Mas este fenómeno vai além da simples ausência de ocupação – reflete também uma crescente desmotivação, uma revolta silenciosa com o sistema e uma mudança na forma como muitos jovens encaram o trabalho e o sacrifício.

Olhando para esta realidade, não podemos deixar de questionar: onde falhámos? Será que estamos a construir um sistema que, ao invés de integrar, marginaliza? Que tipo de mensagens subliminares enviamos quando a educação, que deveria ser uma ferramenta de libertação, se transforma num fardo? Ou quando o mercado de trabalho exige experiência e competências avançadas, mas não oferece oportunidades de desenvolvimento a quem está a dar os primeiros passos?

Hoje, assistimos a uma inquietante tendência de facilitismo, onde muitos jovens aspiram a ter tudo — estabilidade financeira, reconhecimento, independência — mas sem associar esses desejos ao esforço contínuo, ao sacrifício e à entrega profissional. Esta geração cresceu imersa num mundo digital, onde a gratificação instantânea é a norma. As redes sociais promovem uma ilusão de sucesso fácil e rápido, onde o trabalho árduo e o tempo necessário para construir uma carreira sólida são muitas vezes desvalorizados. A ideia de que o sucesso pode ser alcançado sem sacrifício tornou-se uma armadilha silenciosa, que mina a motivação e cria expectativas irreais sobre o mundo do trabalho.

Por outro lado, não podemos ignorar a revolta com o sistema que muitos jovens sentem. É uma geração que foi prometida mais do que o sistema foi capaz de entregar. Foram incentivados a acreditar que seguir o caminho da educação formal e da qualificação levaria automaticamente a uma vida de sucesso. Contudo, deparam-se com um mercado de trabalho que não corresponde às suas aspirações. Trabalhos precários, salários baixos e poucas oportunidades de crescimento fazem com que muitos questionem o valor do esforço e do sacrifício. O desânimo instala-se e a rebeldia perante um sistema que parece falido começa a germinar.

No entanto, esta revolta é também um reflexo de uma luta interna. Muitos jovens querem ser reconhecidos, querem ter acesso a tudo o que o mundo moderno oferece, mas não querem pagar o preço que essas conquistas exigem. A cultura do “ter” tem vindo a sobrepor-se à cultura do “ser” e, com ela, surge uma perceção errada de que é possível alcançar tudo com pouco esforço. Mas a verdade, e o que o mercado de trabalho demonstra constantemente, é que o sucesso exige sacrifício, perseverança e uma entrega que nem sempre é confortável.

Este confronto entre o desejo de facilidades e a realidade exigente do trabalho cria um ciclo vicioso: a frustração por não alcançar rapidamente aquilo que se deseja aumenta a desmotivação, que por sua vez conduz ao afastamento de oportunidades. Muitos jovens acabam por desistir antes mesmo de tentar verdadeiramente, achando que, se não podem ter tudo imediatamente, então não vale a pena investir a longo prazo.

Aqui reside um dos maiores desafios da nossa época: como reconectar esta geração com o valor do trabalho árduo e do sacrifício sem perder de vista as suas críticas válidas ao sistema? É crucial reconhecermos que o problema não está só nos jovens ou nas suas expectativas. O mercado de trabalho, com as suas injustiças e precariedade, também tem uma responsabilidade imensa nesta desconexão. O sistema educacional, por vezes demasiado teórico e desajustado da realidade laboral, precisa urgentemente de uma reforma que prepare os jovens não apenas para empregos, mas para vidas profissionais significativas e resilientes.

Estes 5800 jovens são o reflexo de uma sociedade em desequilíbrio. São um espelho onde se veem as falhas de um sistema que não soube adaptar-se às novas exigências, mas também a luta interna de uma geração que quer tudo, sem perceber ainda o preço que isso exige. Como comunidade, devemos escutar esta revolta silenciosa, compreendê-la, e trabalhar juntos para construir um futuro onde o esforço seja reconhecido, mas onde também haja espaço para sonhos que possam ser alcançados com dignidade e sentido de propósito. Afinal, o futuro destes jovens é, inevitavelmente, o nosso também.

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