Agora avizinha-se outra frivolidade no Golfo. Em 2029 será a Arábia Saudita a organizar os Jogos Asiáticos de Inverno, criando nas margens do Mar Vermelho um megaprojeto futurístico chamado "Neom". Este projeto é composto por três resorts: o de luxo de inverno "Trojena", uma cidade flutuante "Oxagon" e a cidade do deserto "The Line". Este último é o mais absurdo: uma cidade construída longitudinalmente como um muro, medindo 200m de largura, 500m de altura e 170km de comprimento que atravessa deserto e montanha, numa espécie de clube utópico de alta tecnologia para usufruto dos sultões do petróleo e seus afiliados. Cabe tudo nesse muro, menos a ética ambiental e o desenvolvimento sustentável.
Naturalmente perguntamo-nos que desportos serão disputados nestes Jogos Asiáticos de Inverno? Os mais adequados a um ambiente de deserto, claro! Ora vejamos: o esqui alpino, o hóquei de gelo, a patinação de gelo, o curling, snowboarding e o salto de esqui.
Nesta província chamada Tabuk, realmente existe uma zona de montanha. Mas as temperaturas que se fazem sentir nessa montanha raramente baixam dos zero graus. E nas raras ocasiões em que neva, são só milímetros de neve, o que, na melhor das hipóteses serve para fazer uma bola de neve misturada com poeira. Ou seja, para conseguir realizar lá os Jogos de Inverno, será necessário trazer vastas toneladas de neve artificial para o local.
Seria semelhante a usar o Pico Areeiro para acolher um campeonato português de esqui, alegando que esse é o desporto mais natural do nosso país e região. Quando os sauditas descobrirem a tradição regional de fazer figuras de neve no capot do carro e ver até onde resistem na descida do Poiso até ao Funchal, pode ser que ainda a replicam nos seus Jogos.
Não é por acaso que os excessos megalómanos dos petrodólares do Golfo resultam em autênticas frivolidades que nada acrescentam ao desenvolvimento sustentável dos seus países e inclusivamente melindram direitos humanos e princípios ambientais. É a frivolidade fomentada por sistemas antidemocráticos onde não existe tolerância para a diversidade nem contraponto ao poder. Tal como Luis XIV dizia perante os seus parlamentares parisienses "L’Etat c’est moi", nestes sistemas também não existe limite à vontade do(s) soberano(s). Não faltarão apologistas desta forma de governar também entre nós, mesmo que encapuçados. A responsabilidade do mundo democrático consiste em não servir de trampolim para estes devaneios, mas infelizmente tal não tem sido o caso.