Uns mais afoitos e desinibidos atreveram-se a colocar, aguentando olhares de soslaio.
Como o telemóvel, lembram-se?
Quem usasse na rua, era um pedante, um exibicionista, Hoje, quem não no usa é desatualizado, é antiquado.
Mas voltemos às máscaras.
As dras. Graça e Ana fizeram-se famosas, pela capacidade de comunicação, mas também pelas contradições ao sabor do ziguezaguear da OMS, a sigla que todos aprenderam, pelos seus conselhos e desconselhos, em linhas pouco seguras e claras. Enfim, ao sabor da epidemia, que passou a pandemia, e a todo o lado chegou…
Deve usar-se, não deve, só dentro, só fora, uma panóplia de situações que nos deixavam literalmente à nora.
Que é proteção para si, que é para os outros.
O certo é que acabou por ser elemento normal e permanente.
Quem não usasse passaria a inimigo da saúde e da comunidade.
Mas deixemos esse caminho sinuoso das máscaras, que se vai mantendo em determinadas circunstâncias, que se vai aliviando noutras.
O certo é que a máscara alterou-nos a vida e a atitude.
A máscara passou a ser um elemento de solidão, de encobrimento, de camuflagem, de distanciamento.
A comunicação pelos olhos passou a ser a usual.
Tivemos de aprender a interagir, conhecer ou reconhecer pelo olhar, descobrindo se é riso, ou simpatia, se é indiferença ou acolhimento, se é rejeição ou aceitação. E nem sempre é fácil.
Então optou-se pela distância. Fazer de conta que se não vê, ou não se reconhece.
Como aqueles que, quando não lhes interessasse a conversa, ou a abordagem fosse incómoda, encostavam o telemóvel à cara, a fazer de conta. Às vezes tocava e desmascarava a patranha.
O mundo passou a ser o nosso e mais nenhum.
Cada qual na sua bolha de salvaguarda, na sua zona de conforto e inação.
Ficar em casa passou a ser lema e conselho.
E se no início era tormento ou saudade, passou a ser habitual, uma forma de vida, sem o esforço de sair de si para encontrar o outro.
Habituámo-nos à solidão, às paredes que nos cobrem e nos encobrem, que justificam a preguiça de nem mudar de roupa, nem se barbear, nem pôr maquilhagem, nem frequentar cabeleireiro, ou café.
Até nem ir à habitual Missa domingueira, nem ao futebol, nem às aulas…
Adiaram-se os abraços, os beijos nem pensar.
Os convívios regados e barulhentos foram riscados sine die.
Ficaram suspensas as rodadas de balcão, os desafios da milhada, as anedotas frescas, os comentários a quem passava, sem se lhe ver a cara, a discussão da grande penalidade ou do «var»…
Voltar à «normalidade» passou a ser a ferros. Abandonar grupos, ensaios, visitas, encontros passou a ser de fácil justificação. Trivial passou a ser o desleixo de si.
Ressalvem-se os artistas que reinventaram sonoridades, escrevinharam temas, uniram-se em écrans cheios de arte, criatividade e graça. Desenharam sketches, criaram concursos, aprimoraram a técnica instrumental…
Porém, sem o calor do aplauso, a empatia do outro lado, sem os incentivos ou apupos dos adeptos, sem as salas cheias da avidez da surpresa, sem o conforto das gargalhadas, sem o fungar dos soluços, sem o sentimento da companhia, a arte esmorecia, a vontade desnudava-se, e a solidão era dor, apatia, inação, adiamento.
Afinal, a máscara que veio e vai ficar, obriga-nos a novas aprendizagens e desafios.
É hora de nos reinventarmos! Porque a vida continua.