O Natal de antigamente tinha um encanto que se construía com simplicidade. Sem querer entrar em comparações, não era melhor nem pior, era diferente.
Não era preciso muito para fazer brilhar os olhos das crianças ou para aquecer o coração dos adultos. Em muitas casas, bastava uma lareira acesa, uma mesa composta com o que o ano permitira juntar e a expectativa de acordar cedo para descobrir o que o Menino Jesus deixava no sapatinho.
Não havia febre do consumo. A vertente comercial do Natal não se compara com o que há hoje. Os presentes caros ou o frenesim das compras de última da hora, isso era coisa que não existia. Havia sim, partilha, cuidado e, acima de tudo, um espírito de comunidade. A oferta não era muita bem como as carteiras também eram bem mais vazias.
A preparação do Natal começava cedo. A primeira de todas as operações começava com a função do porco.
A casa era preparada com alguma antecedência. A limpeza era feita a fundo. Até em algumas situações havia lugar a pequenas reparações que podiam passar por uma simples mão de tinta, ou por algum reparo mais aprofundado.
Com a casa limpa, seguiam-se então os outros preparativos. Era aqui que entrava a construção da lapinha e a preparação dos doces e outras iguarias. Antes disso faziam-se as searinhas.
Na cozinha, o cheiro dos preparativos da carne vinho e alhos, do pão caseiro e das broas anunciava a festa. No dia de Natal cada família trazia a sua tradição para a mesa, fosse um caldo de galinha ou uma salada de frutas colorida, feito com paciência e não dispensando um ananás. Eram pratos que carregavam histórias, memórias, dando sabor à celebração. Até o simples pequeno-almoço, de cacau quente e pão caseiro, tinha um ritual quase mágico. As refeições eram marcadas pelo ritmo do dia: o guisado ao almoço, a doçaria ao longo do dia e, para os mais resistentes, a ceia.
Para os adultos a diversão passava por umas biscas, para os mais novos era tempo de saborear o que tinha calhado no sapatinho.
Hoje, o Natal parece ter perdido parte dessa essência. As mesas continuam fartas, mas a fartura já não tem o mesmo significado. Os sabores autênticos, que vinham do esforço e da paciência, muitas vezes deram lugar a pratos prontos, embalados na pressa de quem vive um ritmo acelerado. A troca de presentes, antes um gesto simples e simbólico, transformou-se num ritual de consumo desenfreado, medido em etiquetas e marcas. As crianças, outrora felizes com um brinquedo ou com o cuidado colocado na preparação do sapatinho, hoje recebem pilhas de presentes que, por vezes, não guardam mais do que alguns dias de atenção.
Ainda assim, há algo que o Natal de hoje pode aprender com o de ontem. É no regresso às coisas simples, na busca por momentos verdadeiros e na valorização do que realmente importa que encontramos o espírito natalício que tantas vezes sentimos perdido. Não são as luzes das monstras, das ruas, nem o tamanho dos presentes que trazem a magia, mas os gestos pequenos, as conversas à mesa e a presença genuína de quem nos é mais próximo.
Que o Natal, seja ele de ontem ou de hoje, continue a ser um espaço de reencontro. Um tempo onde, entre o cacau quente do antigamente e os doces modernos, possamos recuperar a alegria genuína que nasce da partilha e do amor. Porque, no final, é isso que fica na memória: o que foi feito com carinho e amor, independentemente das adversidades.