Vivemos tempos em que muito parece ser entendido ao contrário ou pela metade. O egocentrismo impera e cada um faz o que no momento lhe parece imprescindível, sem medir possíveis inconvenientes ou até perigos: estacionam nos locais que lhes permitem poupar passos. Se isso implica um engarrafamento de trânsito ou obriga os passantes a caminhar por onde não devem, pouco importa: o que interessa é despachar o que têm a fazer, com o menor esforço possível. Abrem a porta do carro e saem de rompante, os outros que travam por sua causa nem lhes convocam um olhar, quanto mais um pedido de desculpas. Quem prevarica age como se fosse aquele que está certo.
O descuido pelo que transcende o perímetro do corpo de cada um é impressionante. Indiferença pelo sofrimento alheio, pela destruição do planeta, pela extinção de espécies e o alerta de que a nossa própria poderá estar em risco. Quem se importa? Ficamos a olhar as notícias como se víssemos um filme de ficção futurista, mas não é! A Terra, o cenário onde nos movimentamos, aquece a cada dia que passa, porém, em vez de nos preocuparmos, andamos felizes porque o sol está intenso e as águas cálidas nos afastam de qualquer arrepio.
A justiça também está difícil de entender. Aqui deixo um exemplo: dois larápios invadiram uma moradia. Partiram a janela, entraram e escolheram o que lhes dava jeito. Na hora da fuga, foram surpreendidos pelos cães da casa que lhes travaram a saída com umas mordidelas. O tribunal mandou indemnizar os ladrões, com o argumento de que os proprietários da casa deveriam exibir na vedação do jardim um aviso da existência dos cães. Os larápios seguiram a sua vida. Os donos da casa foram punidos.
A política não podia ficar de fora, claro! Ser dirigente político ou ter um cargo de chefia devia ser encarado como uma responsabilidade, uma missão, e não um lugar para fazer fortuna, pavonear vaidades e competências, que por vezes nem demonstram ter. É uma função exigente e que deveria ser temporária. Contudo, a prática mostra que não é assim. Após as eleições, os partidos exibem cartazes a agradecer aos que neles votaram, como se recebessem um prémio. O povo confiou-lhes o encargo de gerirem a causa pública e os interesses do bem comum. Porém, uma vez no cargo, a preocupação maior do eleito é manter o posto, o que o leva a servir clientelas e a agir consoante o que julga ser mais popular, orientando-se muitas vezes pelos media e redes sociais, onde os discursos polarizados imperam, onde a mentira tem lugar garantido, quer com propósito jocoso, quer como forma de propagar ideias que sirvam interesses de quem as escreve ou profere.
O que me leva ao peculiar candidato presidencial dos Estados Unidos da América e à sua afirmação de que os imigrantes roubam e comem os animais de estimação dos agora americanos. Sim, porque, excluindo os poucos descendentes dos índios nativos, todos os habitantes dessa nação foram, ou descendem de forasteiros. Mas voltando aos cães e gatos devorados por imigrantes, a acusação, verdadeira ou não, tem como objetivo acicatar o ódio — a velha estratégia de dividir para reinar. Contudo, se na humanidade prevalecesse a compaixão, para os que acreditam na veracidade da afirmação, a leitura poderia ser oposta à pretendida, ou seja, compadecer-se-iam desses seres humanos cujas privações, fome e desespero os levaria a consumir os animais e não por serem bandidos.
Há sempre um outro lado, mas geralmente, cada um só admite o seu.