Nas vastas águas atlânticas a estabilidade nunca é um estado permanente. A superfície do mar pode, por vezes, parecer um espelho calmo, mas basta um sopro de vento, uma mudança discreta nas correntes, para que as ondas despertem e a serenidade se transforme em tumulto. Este equilíbrio frágil, tão típico do oceano, é uma lição para aqueles que habitam as ilhas e, mais ainda, para os que assumem o leme em tempos de incerteza.
Na Madeira, este arquipélago que desafia o infinito do Atlântico, os ventos de mudanças políticas têm soprado com uma força que nem sempre é fácil de prever ou controlar. Cada rajada traz consigo vozes, intenções e promessas que se entrelaçam como as correntes marítimas, ora cooperando, ora chocando entre si. E enquanto os ventos uivam e as marés oscilam, permanecemos como marinheiros à espera de uma bússola que nos indique o rumo.
Tal como o pescador que conhece o mar, é necessário discernir entre o barulho da tempestade e o som do vento que conduz à bonança. Quando as ondas crescem e o barco parece vacilar, não é no instinto da fuga que reside a solução, mas na capacidade de ajustar as velas. A liderança, como a navegação, exige sabedoria: saber quando ceder ao vento, quando resistir e quando, simplesmente, esperar.
Durante anos, a Madeira viu crescer um porto seguro, um cais construído com mãos que souberam interpretar as marés e prever os ventos. Foram decisões firmes e trajetórias bem traçadas que permitiram a construção de pontes, a chegada de novas embarcações e o alargamento dos horizontes. Estas águas, outrora desafiantes, tornaram-se rotas navegáveis, e os frutos da terra insular começaram a ser partilhados com o mundo.
Analogamente, a política, nas suas melhores formas, é como a arte de semear a terra. É preciso entender o ritmo das estações, respeitar a fertilidade do solo e, acima de tudo, lembrar que nenhuma colheita é fruto de uma só mão. A estabilidade, tão desejada por todos, não se impõe pela força nem pela divisão nem tão pouco por demagogias; constrói-se, lenta e cuidadosamente, como um muro de pedra que desafia os séculos, pedra sobre pedra, gesto sobre gesto.
Impera, fundamentalmente, reconhecer quem soube guiar o arado ao longo dos anos, quem abriu os sulcos no terreno árido e semeou com confiança, enfrentando ventos adversos e garantindo que, mesmo nas piores condições, houvesse alimento na mesa e futuro no horizonte. Esta experiência, testada pela resistência do tempo, deve ser valorizada. A confiança não é um salto no escuro, mas o reconhecimento da mão firme que já provou saber conduzir e é nesta mão que devemos depositar o futuro.
Quando as correntes internas de um arquipélago se tornam conflituosas, o perigo não vem apenas do exterior. O maior risco advém de ruídos que tentam ensurdecer as vozes ponderadas. Como no mar, a harmonia não é ausência de movimento, mas a capacidade de convergir em direção a um mesmo horizonte.
Talvez a verdadeira mensagem esteja na própria natureza insular: um pedaço de terra cercado por mar em todas as direções, onde a interdependência é mais do que uma condição, é uma necessidade.
É tempo, então, de ouvir o vento sem ser arrastado por ele, de observar a maré sem a temer. Tal como os navegadores de outrora, a Madeira encontrará o seu caminho, mas apenas se souber juntar as forças dispersas, alinhar as velas e trabalhar em uníssono como outrora o soube fazer, e bem.
O Atlântico é vasto, mas também é sábio: ensina-nos que as águas, mesmo turbulentas, eventualmente se acalmam. E quando isso acontece, o que permanece é o que foi construído com paciência, com respeito e com o desejo comum de um porto seguro.
Susana Gramilho escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas.