Há duas épocas que me trazem de volta o meu pai e com ele a infância. O Natal e a Páscoa.
Por um momento, vou fingir que ainda falta muito tempo para o Natal, como acontecia quando éramos pequenos e os meses tinham a arte de parecerem anos, os anos séculos e a vida uma coisa demorada como uma brincadeira interminável ou como a magia das histórias.
Vou fingir que nos escondemos outra vez para te surpreender quando chegavas do trabalho e nós gritávamos balamento e tu fingias-te surpreendido e derrotado pela nossa vitória anunciada. Sim, porque quem iniciava o jogo eras tu, mas já sabias da impossibilidade de ganhar.
A casa ficava mais elevada do que a tua chegada e nós podíamos vigiar o teu passo certo pela escadaria e estar a postos, escondidos, para estancar o teu regresso com a palavra mágica e ver-te sorrir com a alegria da nossa ruidosa antecipação da vitória.
Todos os anos da infância foram este jogo com vitórias pré-estabelecidas, resultados pré-definidos e amêndoas e chocolates como troféus de açúcar.
Não sabíamos ainda perder e para ti a derrota tinha a forma de um sorriso redondo de cinco catraios que ainda não sabiam do futuro.
Éramos todos presente naquela imortalidade que nos habitava como se a perda fosse apenas um jogo que terminava com açúcar às cores. Mesmo que por detrás de tudo isto existissem histórias tremendas de morte e de ressurreições impossíveis.
Eras o adversário ideal deste jogo. Balamento de afetos gritado para ti e através de ti. Antecipação de uma memória doce que havia de durar mais do que o doce açúcar e mais do que a tua vida.
Não sabíamos ainda que a maior derrota seria talvez crescer, talvez descobrir que não se pode vencer sempre, talvez aceitar que nos trouxesses derrotados da tua falta e da falta de um tempo longe de toda a dor. Só amêndoas e torrões de açúcar, só escondidos à tua espera para gritar balamento, só o sorriso da vitória infantil sobre a complacência do amor. Só nós e tu e um jogo feliz na Páscoa e nas férias antes das férias grandes, antes e depois de todos os natais.
Balamento, pai! E a antecipação do açúcar nas bocas cheias de sorrisos, na casa cheia de vida, num tempo cheio de tempo, numa infância cheia de tudo, na felicidade quase plena e infinita de não sabermos ainda a derrota.