Com redes de camuflagem, feitas por voluntários, improvisou-se a árvore de natal numa praça de Mykolaiv, no sul da Ucrânia. Para quem a olha através do ecrã da televisão mais parece uma pirâmide de trapos, mas os sorrisos dos que a rodeiam mostram que nela veem mesmo uma verdadeira árvore de natal. Uma mulher jovem, segurando a filha pela mão, interpelada por um repórter, afirma: "apesar da guerra, não podemos privar as nossas crianças do natal, não as podemos privar da alegria, precisamos vê-las sorrir". A menina a seu lado, com um sorriso grande a iluminá-la, estica-se para o microfone do jornalista e acrescenta: "se todos sorrirmos, a guerra acaba". Todos riem à sua volta e eu sorrio também, aqui, a muitos quilómetros de distância. Sinto-me enternecida pela inocência crédula da criança e triste porque essa mesma capacidade de acreditar me falta. E, embora sabendo que um sorriso não terminará a guerra, por muito bom que fosse, não deixo de crer que pode ter a sua magia. Lembro um pensamento que na minha juventude li e sempre mantive em mente. Não sei quem o escreveu, mas dizia mais ou menos assim: "Sorri um momento; ao ver-te, sorrir, outro sorrirá e, de um em um, o teu sorriso propagar-se-á e o mundo sorrirá porque tu sorriste".
Um sorriso pode fazer a diferença e pode contagiar ou melhorar a disposição daqueles com quem nos cruzamos. Contudo, também pode ser mal interpretado ou constituir mesmo uma provocação. Imaginemos dois beligerantes; os sorrisos de uns provocarão decerto a raiva dos seus inimigos. Temos de concluir que nem todos os sorrisos são benéficos ou despertam simpatia. Nem todos desencadeiam carinho, nem todos são alegres. Há-os tristes, enigmáticos, cínicos e falhos de autenticidade. Um sorriso pode ser mesmo uma forma de agressão ou de ofensa. O sorriso condescendente, paternalista, pode ser uma manifestação de exibição de segurança dominadora, de ascendência sobre o outro que, intimidado, reagirá constrangido. Temos ainda o sorriso profissional que se abre e fecha num piscar de olhos - um distender de lábios que não brilha na inexpressividade do resto do rosto. Sim, porque, quando sorrimos genuinamente, seja com ternura, com raiva, cinismo ou desprezo todo o rosto se mobiliza nessa manifestação.
Como sorriremos em 2023? A crer nas perspetivas anunciadas por comentadores e jornalistas, viveremos um tempo de tormenta na economia. Ainda atónitos perante o sonho czarista a arrasar a Ucrânia, vemos outros assomos de saudosismos imperialistas a insinuar-se, como recentemente na Alemanha. A degradação do planeta prossegue com a destruição de habitats, extinção de espécies e consequentes desequilíbrios ambientais. Assistimos do sofá da sala, esquecendo-nos que, afinal, não somos espetadores no filme dos noticiários; somos protagonistas. Estamos informados sobre as causas e até sabemos quais as soluções - pelo menos algumas. Quando afetados diretamente afligimo-nos, mas logo esquecemos, adiamos alterar os hábitos em que nos instalámos e perpetuamo-los, ainda que a preocupação nos ensombre ou roube o sorriso.
Nas nossas vivências particulares podemos esbanjar afetos e respeito e assim iluminar sorrisos. E, se é verdade que um sorriso não porá fim à guerra, ele poderá, por certo, ajudar a melhorar o mundo, começando pelo que está perto.
Aos meus leitores, desejo muitos motivos para sorrir com alegria em 2023.