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Artigo de Opinião

19/06/2021 08:02

A resposta mais imediata, talvez até a mais comum, será a de que Liberdade é poder fazer-se o que quisermos. Esta definição parece-me tão curta como abusiva, no sentido em que implica agressão; implica a ideia de fazer o que quero apesar do outro, impondo-lhe a minha Liberdade. Ora, a Liberdade de um não pode existir às custas da Liberdade do outro.

O germânico Hegel, apesar de dar alguma importância à autonomia do indivíduo, definiu Liberdade como sendo pertença do Estado. Apenas o Estado pode ser livre, e o indivíduo será livre apenas dentro deste. Esta definição inspirou ideólogos como Karl Marx (direcção materialista), Adolf Hitler ou Benito Mussolini (endeusamento do Estado-Nação), e ainda hoje se infiltra, plena de utilidade demagógica, na legitimação do Estado actual. Portugal será um de uma quantidade enorme de exemplos. O Estado é dono da Liberdade e concede-a ao cidadão, na quantidade e alocação que mais jeito der a quem o governar no momento.

Já outros filósofos, como John Locke, colocam a origem da Liberdade na propriedade. Nem que seja a propriedade que todos temos sobre o nosso corpo e uso que lhe damos — esta será a propriedade cujo usufruto melhor controlamos. Até o tempo, que fruímos como melhor nos aprouver — a recrearmo-nos, a produzir valor ou a desperdiçá-lo por completo —, é nossa propriedade. Para Locke, a Liberdade está no direito ao usufruto da propriedade. Esta definição implica que a Liberdade emana do indivíduo, não do Estado e, ou é o indivíduo a conceder voluntariamente autoridade, ou o Estado se impõe pela força.

Qualquer um destes conceitos, sobejamente ponderados por filas de filósofos bem intencionados e ideólogos de desígnios variados, responde à pergunta com que abri este texto. Cada um de nós terá a sua resposta favorita e dar-lhe-á a sua própria interpretação pessoal, o seu próprio entendimento. De qualquer das formas, há outra que prefiro.

Não muito longe — talvez a origem — da definição que põe a auto-propriedade no centro da Liberdade, está a ideia, que se atribui a Santo Agostinho, de que Liberdade é a possibilidade de dizer não. A verdade é que, na altura em que o meu filho começou a distinguir o seu ego do dos que o rodeiam, saiu-lhe a primeira palavra de uso correcto, assertivo e inequívoco: não.

Ainda hoje, com um arsenal muito reduzido para exercer poder sobre si e o seu destino imediato (já compreende o médio prazo, mas não o longo), o meu filho diz não. Diz não a lavar os dentes, mas quer lavá-los. Diz não a ir para a cama, mas quer dormir. Dizer não, para ele, é a única forma exercer a sua individualidade; eu não terei outra hipótese senão ou respeitar e conceder-lhe Liberdade, ou forçá-lo, impondo-lhe regras. Sou agressor por não respeitar o não, por mais bem-intencionado que seja.

Étienne de La Boétie, no seu "Discurso da Servidão Voluntária", atribui o poder dos governantes, que diz ser ilegítimo, à anuência de alguns que aceitam a servidão e ajudam a manter os outros nesse estado. Dizer não é, assim, a forma mais pacífica de asserir a Liberdade.

Diga não. Diga não quando achar que deve. Diga-o com convicção mas assuma-o. A autoridade merece-se, não se impõe.

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