Neste segundo ato, vou abordar a problemática à volta da taxa de risco de pobreza.
Comecemos pela taxa de risco de pobreza. Este indicador baseia-se no rendimento disponível do agregado, considerando todos os rendimentos monetários auferidos por aqueles que fazem parte do agregado. O seu cálculo é igual à proporção da população cujo rendimento equivalente se encontra abaixo da linha de pobreza definida como 60% da mediana do rendimento líquido (apenas monetário, excluindo pagamentos em espécie) por adulto equivalente.
Como é isto calculado? Ora, é apurado o rendimento total anual líquido do agregado (rendimento disponível depois do pagamento de impostos e das contribuições para a segurança social, e de recebidas as transferências sociais) e dividido pelo número de elementos desse mesmo agregado em termos de adultos equivalentes. O conceito de adulto equivalente permite ter em conta as diferenças na dimensão e composição dos agregados, e resulta de uma escala que considera que o primeiro adulto do agregado vale 1, os restantes adultos valem 0,5 e as crianças 0,3. Portanto, um casal com dois filhos pequenos, vê o seu rendimento líquido dividido por 2,1.
E o que é este conceito de mediana? Média e mediana não são a mesma coisa. Vamos supor que temos 2 001 agregados que responderam ao inquérito. Os seus rendimentos líquidos anuais por adulto equivalente são todos ordenados do mais pequeno para o maior. Para obtenção da mediana escolhe-se aquele que fica na posição central (1001).
A partir desta mediana é definido um patamar de 60% do seu valor, abaixo do qual os indivíduos são classificados como estando em risco de pobreza.
Mas o próprio INE publica dois referenciais distintos para as taxas de pobreza, um deles é o referencial nacional e o outro o referencial regional. O primeiro é estabelecido como sendo 60% da mediana nacional do rendimento monetário líquido anual por adulto equivalente e o segundo, a mesma coisa, mas para a mediana regional. Estes referenciais são as linhas de pobreza que fazem parte do conceito da taxa de risco de pobreza.
Mas, há vantagem de um sobre o outro? Citando o destaque do próprio INE, o cálculo da taxa de risco de pobreza com recurso à linha de pobreza regional "reflete as diferentes condições socioeconómicas e diferentes níveis de custo de vida" de cada região.
Para a RAM, os valores calculados de ambas as formas são extremamente díspares: 25,9% usando a linha de pobreza nacional e 17,6%, usando a linha de pobreza regional. Enquanto no primeiro caso, as regiões autónomas dos Açores e da Madeira aparecem relativamente destacadas das regiões do Continente (muito embora o Norte e o Algarve também apresentem valores acima dos 20%), no segundo caso, as assimetrias são muito menores, com a RAM a surgir a par da Região Autónoma dos Açores, com 17,6%, muito perto da média nacional (16,4%). A própria evolução das duas taxas face ao ano anterior para a RAM são distintas, enquanto a taxa de risco de pobreza calculada com a linha de pobreza nacional aumentou, a calculada com a linha de pobreza regional diminuiu. Confuso sobre se a pobreza na Região diminuiu ou aumentou em 2021? A resposta é: depende do referencial que tomamos.
Vamos imaginar que em vez de uma linha de pobreza nacional, tínhamos uma linha de pobreza europeia. Com o peso que a Alemanha, França, Itália, Espanha e Países Baixos têm em termos de população, mesmo aplicando paridades de poder de compra, que tem como objetivo medir os custos de vida de cada país, é de imaginar que essa linha de pobreza europeia seria superior à portuguesa. O que aconteceria? A taxa de risco de pobreza de Portugal seria bem superior e a da Madeira também por arrastamento. Estamos de facto, a falar por isso de uma taxa de pobreza relativa e não absoluta. Esta última não é apurada via ICOR, englobando aqueles que vivem com menos de 2,15 dólares por dia e que são quase 650 milhões de pessoas no nosso planeta. E, metade da população mundial, vive com menos de 6,85 dólares por dia.
São números que nada tem a ver com a pobreza relativa apurada para a Região via ICOR e é bom ter noção disso para sabermos de que tipo de pobreza estamos a falar.
Ainda sobre esta questão do referencial da linha de pobreza faço ao leitor uma questão: sabe qual é o país da União Europeia com taxa de risco de pobreza mais baixo? Suécia? Dinamarca? Alemanha? Errado!! Segundo os últimos dados é a Chéquia (anteriormente designada por República Checa), com uma taxa de risco de pobreza de 8,6%, cerca de metade da portuguesa. Na Alemanha, a taxa de risco de pobreza é de 15,8%, muito próxima da de Portugal. Quem andou por estes países certamente que fica a coçar a cabeça e aqueles que gostam de absolutizar os números da pobreza nos seus discursos políticos também.
Mas olhemos para os limiares de pobreza de cada um destes países: na Chéquia é de 6 375 euros (inferior ao português que é de 6 653 euros) e na Alemanha é de 15 009 euros. Conclusão: um pobre na Alemanha, é classe média na Chéquia!
Podemos estabelecer um paralelo com o nosso País, cujos valores, pelo seu peso populacional, são muito condicionados pela Área Metropolitana de Lisboa (AML), que, e ninguém tem dúvidas disso, é a região mais rica do país. O custo da habitação em Lisboa e na Madeira é igual? Não é! O metro quadrado para compra de habitação em Lisboa é 500 euros mais caro. O contexto específico da região que integra a capital portuguesa é visível nas duas taxas de risco de pobreza apuradas pelo INE para a AML. Contrariamente à RAM e a todas as outras regiões, a AML tem uma taxa de risco de pobreza calculada com linha de pobreza regional bastante superior à apurada com linha de pobreza nacional. Viver com 500 euros na RAM e na AML não é a mesma coisa e é isso que as taxas de risco de pobreza calculadas com linhas de pobreza regionais servem para diferenciar.