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Artigo de Opinião

Professora Universitária

24/07/2023 08:00

O governo não era um mal necessário, como o tinha definido Tom Paine, o mal estava no abuso da sua atuação, caso o governo não se tivesse empenhado a garantir uma proteção igual a todos e tivesse perseguido apenas os seus próprios interesses. A administração de Jackson tentou traduzir este pensamento, não tendo receio de opor-se à elite industrial, comercial e financeira (e também política), quando achou que era culpada de uma especulação e corrupção cujos efeitos se manifestavam nos mais pobres (muitas vezes inconscientes de que eles próprios quem mais sofria). Criou, para isso, uma política de atenção às classes populares, participação direta e "accountability". Ao mesmo tempo, assumiu uma atitude que hoje diríamos "populista", com uma grande dose de retórica política, e deu impulso à construção dos partidos políticos modernos num sistema de "Segundo Partido" (isto é, dois partidos fortes que se apresentam às eleições e que quando chegam ao governo fazem a mudança e rotação dos cargos administrativos; que é a base hoje do sistema americano).

A virtude do sistema refletia, assim, a virtude do povo, no papel jogado pelos eleitores. Um papel que é determinante, quando, como escreveu o escritor James Fenimore Cooper, não é objeto de manipulações enganosas da opinião pública. De facto, numa época em que a imprensa começava a ter um lugar importante como fonte de informação, Cooper refletia sobre o controlo excessivo das formas de comunicação com o público, com uma preparação do eleitor que lhe permitisse depurar as notícias da verdade e do que era só aparência de verdade.

Assim, a liberdade de governo dependia da liberdade do conhecimento e da capacidade de vigilância do povo. Só desta forma se poderiam adotar decisões coletivas centradas no bom senso e não na defesa dos interesses sectoriais. O problema, como Cooper afirmava, estava nas formas sinuosas e atraentes desenhadas para chegar e manter o poder.

O que acontece à democracia quando a opinião pública é facilmente manipulável? - perguntava o escritor. Como reagir quando os cidadãos não possuem o quadro de competências que lhe permita distinguir o falso do verdadeiro, os factos das emoções, caindo na atração do demagogo de turno, favorecido muitas vezes pela comunicação? O que fazer quando não se reconhece o valor do pluralismo e as instituições que o alimentam? O que pode acontecer se as vontades individuais forem obrigadas a se vergarem às sectoriais por uma informação incorreta ou pressões políticas e económicas?

As perguntas de Cooper são de uma absoluta contemporaneidade, porque tocam nos nervos da atualidade. Podemos ser livres quando a demagogia atua de forma preponderante, quando a comunicação é atraída pela construção de um líder ou homem forte, não discutindo a ideologia de um partido, as suas propostas e visões, mas deixando-se envolver pela mística do "homem da frente"?

Voltando a Cooper, num romance escreveu que o patriotismo é de todos os sentimentos o mais generoso, o mais universal. O mal reside no apoderar-se do patriotismo e dos seus valores para servir um homem, um partido, os interesses das elites económicas, industriais, políticas. O demagogo moderno sabe como lançar mensagens ao público democrático, compreende o apelo às paixões e preconceitos, usa e abusa de inimigos construídos, mostrando-se como profissional, humilde, grande apoiante da igualdade, um homem do povo, ainda que do povo só lhe interesse a sua capacidade votante. Sabe, acima de tudo, utilizar aqueles que necessitam das instituições e usa-as a seu favor.

A democracia, escrevia Benjamin Franklin, só tem um perigo dentro de si: a demagogia que poderá levar ao despotismo, quando o sistema será tão corrupto que o povo escolha democraticamente um homem forte que mande nele.

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