Tateio a noite do mundo, para saber de palavras que digam luz, riso, paz, abraço. Procuro-as dentro das lágrimas das mães que passam os filhos sobre o arame farpado do aeroporto de Cabul. Procuro-as no silêncio dorido dos chegam a casas que não são suas, à procura de beliscos de futuro. Procuro-as na pele gretada dos rapazes que atravessam desertos de água para fugir da guerra. Procuro-as nos gritos calados dos que perderam tudo. Procuro-as no fundo das valas que recolhem corpos sem nome. Procuro-as na pedra que pusemos no lugar do coração.

Mesmo que não as encontre, continuo a procurá-las porque não passo sem elas. Às vezes, são elas que vêm ter comigo, ora fugidias, como peixes, ora luminosas, como se fossem raios a rasgar o mar. São elas que alimentam as escuridões da humanidade: a palavra amor, a palavra amigo, a palavra nós, a palavra abraço, a palavra mão, a palavra amanhã. São elas que nos obrigam a olhar para o horizonte e a acreditar, quase sempre sob a forma da palavra Deus, da palavra Fé, da palavra Esperança.

São raras estas palavras nas noites do mundo, mas aparecem, de vez em quando, para não nos deixar morrer. Gosto de pensar que, nessas noites, a lua está em quarto crescente, a preparar-se para ficar redonda, abrindo clareiras de luz. Gosto de ficar à espera desses sinais que acordam a alegria que dorme em lugares onde mora o desencanto. Gosto de sentir que é possível haver amanhãs para tanta gente que se deixa derramar no chão da sua humanidade e ali fica esquecida. Por nós, também.

É preciso que haja papoilas nos campos, sorrisos nos olhos dos miúdos, colos de mães que embalem os filhos, mãos de pais que os protejam dos perigos. E enquanto houver uma papoila, um sorriso, um qualquer gesto de amor, vou continuar a tatear a noite, à procura das palavras que ajudem a estancar o sangue do silêncio. Que não me falte a coragem. Nos dias que correm, sem ela não há esperança.