Por puro acaso, vi um vídeo poderoso da canção de Patti Smith “People have the power” (as pessoas têm o poder). Um coro informal interagia com ela nessa canção e, nunca como hoje, essa letra fez sentido para mim. É um hino à cidadania e à paz na voz de uma poeta coerente e cheia de humanidade. “Usa a tua voz” e “entrego-te o meu sonho” são frases que se ouvem no vídeo.
Lembrei-me que quando voltar a escrever, em novembro, já terão decorrido as eleições nos Estados Unidos da América e pareceu-me importante escrever também sobre isso. Não sei qual será o desfecho, mas continuo a espantar-me com as sondagens que mostram que ambos estão empatados em praticamente todos os estados. Sem preocupações exaustivas refiro que um dos candidatos não aceitou os resultados eleitorais, incentivando o ataque ao Capitólio, num quase golpe de Estado. É um violador condenado. Pretende acabar com os apoios à saúde, aos direitos laborais. Faz declarações racistas, ditatoriais e misóginas. Nega o aquecimento global e defende o aumento da extração de petróleo (Drill, baby, drill!)... Tem um discurso errante, não acaba as frases, vende produtos seus nos comícios, mente, incita ao ódio e ao insulto. Do outro lado temos uma candidata que defende a democracia e os direitos humanos. Não nega as alterações climáticas e faz propostas concretas no âmbito da economia, da habitação, da saúde reprodutiva e da educação. Como podem estar empatados dois projetos tão opostos? Sinceramente, espero que Kamala vença, porque os EUA ainda são um farol nas democracias liberais. Mas a escolha está realmente nas mãos das pessoas.
“People have the power”
Em Portugal, um partido de extrema-direita, nesta semana, fez declarações inimagináveis e atentatórias do estado de direito, incitando ao ódio e à violência. O presidente desse partido afirmou que se deve condecorar quem matou mais um “bandido”, ofendendo a memória da pessoa morta e acabando com a presunção de inocência que é um princípio fundamental no direito penal português. O presidente do grupo parlamentar desse partido declarou que se a polícia atirasse “mais a matar”, o país estaria “mais em ordem”, fazendo parecer que a função da polícia é matar cidadãos, quando até sabemos que só disparam em última instância e não para zonas vitais. Um assessor desse partido escreveu no X “Menos um criminoso, menos um eleitor do Bloco”, mostrando que não respeita a liberdade de pensamento ou de escolha política, legitimando a morte de quem pensa diferente dele. Estas pessoas têm responsabilidades políticas e têm nome: André Ventura, Pedro Pinto e Ricardo Reis. Sobre elas existe uma petição e uma queixa-crime por “desrespeitarem a memória de uma pessoa falecida, promoverem a apologia ao uso de violência desproporcional por parte das forças de segurança e incitarem a práticas criminais e à desobediência coletiva, o que representa uma afronta ao Estado de Direito”. Claro que esses senhores já se vieram vitimizar, alegando um ataque à liberdade de expressão, como se ela fosse um direito absoluto e permitisse violar a Constituição. Eles que têm usado os tribunais para calar jornalistas e deputados de vários partidos só porque manifestam opiniões diferentes das suas.
Cabe a cada uma ou um de nós escolher em que regime quer viver: num em que a democracia e o estado de direito sejam uma realidade ou num em que se use arbitrariamente o poder, de forma violenta e ditatorial. Calarmo-nos perante estes atentados ao Estado de Direito é ser cúmplice de ilegalidades. Eu escolho usar a minha voz na defesa dos direitos, liberdades e garantias.
“People have the power”