Caminhamos pelos dias, com a força da firmeza, olhar nos objetivos traçados, prontos a ultrapassar escolhos que nos vão surpreendendo, colecionando conquistas, aprendendo com as quedas e falhas, apoiados nas mãos que se nos estendem, ignorando as vozes que tentam desanimar, resistindo à tentação da desistência, fixados na meta que pretendemos atingir…
Há pouco, fui peregrino do CAMINHO DE SANTIAGO.
É um percurso de caminhantes que, desde há séculos, afluem a Santiago de Compostela, ou para honrar a memória de Santiago Maior, cujo suposto sepulcro estará na Catedral, ou por outro motivo qualquer.
Há muitas lendas e relatos à volta de Santiago na Península. Consta que terá sido o primeiro Apóstolo peregrino, tendo chegado a terras da Galiza. Mártir por decapitação, os seus condiscípulos terão depositado o corpo em Compostela.
Desde fins do século XIX, o Caminho reganhou projeção. Foi declarado o «primeiro itinerário cultural europeu». É património da Humanidade.
A CAMINHADA
O peregrino é portador duma Credencial, que vai carimbando ao longo do percurso, exigindo-se-lhe o mínimo de dois carimbos por dia, que comprovem a caminhada de pelo menos 100 quilómetros a pé ou 200 em bicicleta, para ganhar direito à Compostela, um certificado que testemunha a realização do Caminho.
São muitos os caminhos de Santiago. Eu fiz o português, em seis etapas, com mais três caminhantes, desde Valença a Compostela, num total de cerca de 135 quilómetros.
O que leva uma pessoa a peregrinar?
Serão muitos e variados os motivos de cada um:
- religiosos, espirituais, desportivos, de lazer, descobrir limites, conhecer pessoas, auto desafio, revisão de vida, despojamento, redução do supérfluo, aprendizagem de soluções, capacidade de sofrimento, procura de caminhos e projetos, exercício de perdão, propósito de mudança, introspeção, ultrapassagem de situações e problemas, teste de capacidade, gratidão, entrega, renúncia, criatividade, oração, meditação, solidariedade…
Por etapas, nos mais diferentes espaços e trilhos, caminhámos por bosques, arvoredos, campos e riachos, enfrentámos o calor tórrido sem sombras protetoras, subidas puxadas, descidas rigorosas, pisos de terra, de areão, de raízes e folhas, de alcatrão, de lajotas, vias romanas…
Enfrentámos longos percursos, alguns sem apoio, seja de que natureza for, mas sempre com a solidariedade e empatia que une os caminhantes.
Felizmente, na maior parte do trajeto, há sinalização, há informação de quilometragem, há espaços que nos vão mitigando a fome e sede. É com alegria que nos vamos saudando e acenando: Bom caminho!
Chegar à Catedral, ou à sua praça, é a concretização do objetivo, a realização do desafio a que nos propusemos. Soltam-se as emoções, amarramo-nos em abraços de cumplicidade e gratidão. Todos os que chegam irmanam-se numa voz de alegria universal, numa babel de sentimentos comuns.
A «Missa do Peregrino» é momento relevante de ali chegar. Ouvir a lista de países presentes é sentir-se numa assembleia de nações em fraternidade. É um mundo de paz, concórdia e harmonia.
A cerimónia do «fumeiro», um turíbulo gigante que baloiça pelas naves da histórica catedral, lançando nuvens de incenso, é uma bênção a pairar sobre quem chegou e partilha a fortuna de ter sido capaz, seja por que motivo for. Poucos seguram olhos secos, porque a emoção de ter conseguido ali estar, superando dúvidas e limitações, desamarra-se do peito e escorre numa onda que a todos envolve e energiza.
Vamos agora partir,
É canção a nossa voz.
Não deixamos Santiago,
Santiago vai em nós!