Entretanto, um assomo de urgência tomou conta da organização da coisa. A cerca de um ano do evento, tendo os munícipes lisboetas sentado o edil errado na cadeira do poder camarário, a meio ano das Jornadas e a meio de uma vil barragem da comunicação social às falcatruas e peripécias eticamente dúbias por parte de demasiados membros do governo, houve quem se visse assomado por um repentino pudor. As JMJ iam custar dinheiro ao contribuinte!
O já habitual desfile de "não sei", "não me lembro", "afinal sabia, mas não me lembrava" tentou esconder o facto de ter sido o Estado português, incluindo as Câmaras Municipais interessadas, a propor-se à organização do evento. Como é sabido, mas comummente ignorado, quando uma entidade do Estado se propõe fazer avultados investimentos, fá-lo contando com avultadas incursões ao bolso do contribuinte. São investimentos que, dizem eles, têm um "factor multiplicador" na economia, ou seja, o dinheiro que sai do bolso do contribuinte é deitado para cima de projectos em que o contribuinte não é tido nem achado, passa pela trituradora burocracia da nação (que parece ter algumas fugas laterais, além dos seus próprios avultados custos de manutenção), passa pelos actores económicos certos (escolhidos a dedo) e aumenta, de alguma forma que a física desconhece, o bolo total da economia nacional. É certo que, neste caso, o turismo trará dinheiro externo ao circuito nacional — prontamente taxado, como é óbvio.
Além dos custos que o evento acarreta, há o férreo argumento do "Estado laico". Repito-me: quem propôs a laica capital do laico Portugal como anfitriã do devoto evento, foram as laicas instituições que representam o laico Estado.
O problema, para alguns, é não haver concurso público, mas a verdade é que foi preciso produzir lei que autorizasse tal coisa à CML. Desconfio que foram gestores do Estado, alguns deles com responsabilidade no facto de não haver, agora, tempo para fazer os sempre burocráticos e demorados concursos públicos. Não sei; desconfio.
Quanto à solução — questão que, imagino, já passou pela cabeça do leitor —, só vejo duas possibilidades: mandar a JMJ às urtigas, o que não me parece exequível (mas admito que apeteça!); ou cerrar os dentes e aguentar. Já a prevenção do próximo assomo de investimento ou festa públicos, passa por não permitir ao Estado servir-se assim do bolso do contribuinte.
Se há proveitos a obter-se — sejam estes económicos, sociais ou espirituais —, que invista quem os quiser. Se a pilhagem ao bolso do contribuinte for muito mais contida, talvez o seu produto seja mais bem aplicado e a vontade de o investir em oportunidades de fotografia e de aumento de popularidade eleitoral seja menor. Além disso, o contribuinte teria mais no bolso para pagar o tal palco — voluntariamente.