A chuva cai lá fora enquanto pego na fita-cola para fechar mais uma caixa. Empacoto sapatos, casacos, lágrimas e memórias. Viajo no tempo e o filme começa a rolar na minha cabeça. Vejo aquela miúda de 25 anos que chegou a Bruxelas em 2018 com medo, com frio e com saudades do colo da mãe. Imagino que diria ela hoje, se soubesse que o que era suposto ser uma aventura de seis meses apenas, tornou-se numa odisseia de quase seis anos.
“Como assim não voltaste para Portugal depois do estágio?”, perguntar-me-ia. Aliás, às vezes a miúda pergunta-me através do espelho. Seis meses tornou-se em “só mais seis meses”. Um ano tornou-se em “ok, mas só fico dois anos e depois volto”. Quando é que o tempo começou a passar tão rápido? Ainda ontem era jornalista em Portugal e hoje estou prestes a completar seis anos de trabalho em comunicação em Bruxelas...
Perdi a noção. Acho que a realidade bate-me na cara quando regresso a casa. Tanto mudou, mas ao mesmo tempo nada mudou. Ok, a minha mãe vai mostrando mais cabelos brancos, a minha irmã já foi para a faculdade e o quarto dela está vazio. Os amigos ora vão casando, ora vão tendo bebés. Mas as ondas vão batendo nos barcos que estão na Baía de Câmara de Lobos hoje como batiam há 10 anos. A comida da tia sabe igual. É como se nada e tudo tivesse mudado no mesmo segundo. Mas aqui estou eu, a fechar a sétima caixa de memórias que acumulei em Bruxelas.
Viajar sempre foi o meu sonho. Acho que ter passado tanto tempo a crescer e a olhar a linha do horizonte na Praia do Vigário fomentou este desejo insaciável de perceber o que havia além da mesma. E percebi que chegou o tempo de me aventurar além do continente (o europeu...). Em Janeiro sigo viagem, sozinha, durante meio ano, pela Ásia. As palavras entusiasmada e medrosa não são suficientes para descrever as ondas de emoções que vou sentido. E de vez em quando, penso na mais alta onda, quase como a que o McNamara surfou na Nazaré, que vou ter de enfrentar. “E depois?”.
E depois da viagem, volto a Portugal? “Se calhar é tempo de voltar a casa. Não posso mentir que sinto saudades do sol... E de ver o mar depois do trabalho ou fazer caminhadas na serra ao fim-de-semana. E dos almoços de família aos domingos...” Penso quando os pensamentos não me deixam dormir. Mas a verdade é que fica difícil imaginar um futuro em Portugal para jovens como eu – ok, 30 anos já não é tão jovem assim, mas detalhes à parte.
“Mais de metade dos jovens portugueses admite emigrar. Uma sondagem sobre os jovens a residir em Portugal revela que 54% deles admite viver fora do país, enquanto 19% fica na dúvida sobre essa questão”, leio no Público. “Cerca de metade dos jovens vive de ordenado em ordenado”, leio no ECO. “De acordo com um novo relatório de mercado, Lisboa é mais cara do que Madrid e tão cara como Barcelona”, leio noutra notícia. “Portugal é o país da União Europeia com mais emigrantes em percentagem da população”, segundo o Observatório da Emigração.
Acredito que muitos destes jovens gostariam de ter ficado em Portugal. Mas quando oiço os meus amigos a contarem-me quão impossível está a situação para eles, como posso tomar a decisão de voltar? “Adoro Portugal! Adorava lá viver, mas mantendo o meu salário belga”, disse-me um belga que conheci. Claro, com um salário de 3 mil euros, quem não viveria em Portugal? Portugal é incrível. Mas o sol a bater na pele não paga as contas para quem lá vive com um pequeno salário português.
“Mas eu até gosto de Bruxelas e o frio já não me incomoda muito...” No final de contas, a decisão foi mais fácil do que pensava.