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Artigo de Opinião

HISTÓRIAS DA MINHA HISTÓRIA

1/04/2022 08:00

É curioso verificar que a autoria de algumas das obras mais marcantes da literatura mundial é desconhecida ou está envolvida em mistério. Começando pelos clássicos, Ilíada e Odisseia, vulgarmente atribuídos a Homero, não terão sido, na verdade, escritos por ele. Homero era um bardo que, como outros da sua época, perambulava por praças, feiras e palácios cantando a epopeia dos heróis nacionais. A versão do contador Homero tornou-se famosa e terá servido de base ao texto que um desconhecido caligrafou. Distintas versões circulavam na boca de outros aedos, cada uma delas colorida com o improviso necessário para a adaptar ao público e ao ambiente do momento, com a introdução de elementos reconhecíveis por todos os presentes - um local, um herói da região, uma referência elogiosa ao próprio anfitrião ou a um seu familiar. Este deformar de enredos para cativar audiências continua a ser praticado pelos atuais contadores de histórias. Não é vão dizer-se que quem conta um conto, lhe acrescenta um ponto.

Também da tradição oral, foram recolhidos, entre outros, os contos de As mil e uma noites, sendo o recurso a uma criativa Xerazade a estratégia utilizada para manter o fio de união do conjunto narrativo. Os nomes de quem inventou as histórias e de quem as registou por escrito perderam-se nos labirintos do tempo.

É fácil entender que muitos criadores caíssem no anonimato, se pensarmos que não existia nada que se aproximasse do atual conceito de direitos de autor e que uma obra, uma vez divulgada, passava a pertencer ao domínio público e podia ser livremente copiada e transformada por quem a reescrevesse ou contasse. Porém, saltando alguns séculos, e já numa época em que escritor e obra se associam, eis que surge William Shakespeare, (1564 - 1616) considerado o vulto literário mais proeminente do milénio passado, sem que se saiba, de forma irrefutável, quem escreveu a obra atribuída a esse nome. Muitos são os estudiosos que questionam como poderia o filho de família modesta de uma cidade provinciana, com uma formação escolar dúbia e, mais tarde, ator nos teatros londrinos possuir conhecimentos linguísticos e culturais bem como desenvoltura intelectual para tão prodigiosa mestria. Ainda hoje, muito se debate e muitas páginas se escrevem sobre este enigma, aventando-se como possíveis verdadeiros autores de tão grandiosa criação: Edward de Vere, duque de Oxford; o filósofo Francis Bacon; ou o poeta e dramaturgo Christopher Marlowe. A propósito, cito Henry James (1843 - 1916): "Sou perseguido pela convicção de que o divino ‘William’é a mais bem conseguida fraude de todos os tempos". Será?

Regressando à antiguidade, vamos ao encontro daquele que é considerado o primeiro grande romance da literatura mundial. Sabemos que foi escrito por uma dama de companhia da corte japonesa (por volta do ano 1000 d.C.), mas desconhece-se o seu nome. Observando de forma clandestina as aulas ministradas a um seu irmão, esta jovem contornou a lei que proibia as mulheres de aprenderem a ler ou escrever e, ainda que vivendo limitada ao espaço e regras da corte, compôs uma longa trama narrativa. É referida como Murasaki, o nome da protagonista feminina que criou.

O que me faz pensar, e para concluir, em alguns escritores cujo nome, ainda que conhecido, foi ofuscado pelo das personagens de ficção por eles concebidas, como por exemplo: Cervantes, pelo seu D. Quixote; Tirso de Molina, por Don Juan; Emilio Salgari, por Sandokan ou Arthur Connan Doyle, por Sherlock Holmes.

Fascinante, não vos parece?

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