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Artigo de Opinião

Professora Universitária

1/04/2024 07:30

Nas últimas eleições legislativas confirmaram-se as previsões de uma tendência europeia e mundial que se fortaleceu a partir dos anos 90: o crescimento dos partidos antissistema, os mais à direita do espectro político, os partidos aos quais não agradam as migrações, que enfatizam o nacionalismo e o soberanismo, que recusam a ingerência europeia, que têm tendências xenófobas e que dizem que os “políticos” são todos iguais.

Os politólogos europeus pensavam, logo a partir dos anos 90, que a razão do desenvolvimento deste panorama residia no desencanto dos eleitores pela política devido à incapacidade dos governantes de tomar decisões impopulares, reféns de preocupações sociais que paralisavam o crescimento económico. A solução era delegar as decisões difíceis a “especialistas” da banca, da indústria. Gente com provas dadas na vida privada: ascenderam ao poder os que tinham sabido criar riqueza pessoal, como Berlusconi ou Trump. Mas, gerir o próprio quintal não é igual a gerir o quintal dos outros.

Vieram a seguir os “especialistas” sérios e independentes e os que não tinham experiência nenhuma, com movimentos populistas que, sendo antipolíticos, cobiçavam precisamente ser “a política”. O Movimento “Cinque Stelle” fez uma lista com inscrições na internet para apresentar a eleições “gente do povo”. Resultado: os deputados eleitos rapidamente mostraram a sua incapacidade, desentenderam-se e foram engrossar as listas dos partidos que lhes ofereciam mais, num processo de perda da pureza inicial que Camilo Castelo Branco bem retratou em Queda de Um Anjo. A seguir, vieram os homens fortes. Os que falam mais alto, que fazem coisas com os olhos vendados, que vestem a bandeira até na roupa interior, que desafiam a ciência, a história e dizem mentiras com convicção.

O fenómeno Chega desenvolve-se tarde em Portugal, até há pouco considerado último bastião da resistência, talvez por ter ainda uma geração viva com a memória de um estado fascista. Mas, teria inevitavelmente que chegar. E as mesmas pessoas que se lamentam do comportamento não conclusivo dos representantes eleitos, aceitam que o seu destino fique nas mãos de quem não se conhece, cuja única grande competência é dizer “não” e “basta” e cuja finalidade é tomar o poder que criticam. Uma espécie de esquizofrenia geral: duvida-se do real valor da política e coloca-se a fé numa espécie de “influencers” alimentados e levados ao colo pela comunicação social.

Os jovens hoje têm mais instrução do que os avós, nunca conheceram a guerra, têm comodidades materiais que eram antes prerrogativa só dos ricos, têm a disponibilidade de viajar e de se movimentar na Europa, são mais livres do que os pais em termos de determinação sexual e podem aspirar à igualdade e à dignidade. Então, como se lê a deriva à extrema direita de uma parte significativa da juventude?

Como explicar que nos 50 Anos do 25 de abril os partidos que fizeram a nossa Constituição estejam a lidar com um partido que põe em causa as suas instituições e os direitos que garante? Talvez devamos olhar menos para o passado e começar a pensar em ser um exemplo de futuro, coartando assim os sonhos de grandeza dos que querem estabelecer-se no topo de uma Nova Ordem Mundial. Talvez devamos dar sinais claros de que o presente conta e o futuro se constrói hoje e não é feito apenas de necessidades, mas de responsabilidades e de sentido de serviço à comunidade, de aposta na educação, na ciência e na inovação tecnológica como garantia de emprego, de bem estar e de riqueza.

E é preciso dar sinais claros de que a política não é um saco de pulgas, um jogo de interesses, um lugar de decadência, que desvaloriza valores e vive num mundo às avessas. Neste contexto, é preocupante que o presidente do PSD admita já futuros acordos com o Chega, em direção oposta ao PSD nacional, dando um sinal aos jovens de que vale tudo para se manter no poder, alimentando desconfianças. Como se os eleitores não compreendessem, então, que votar Chega é votar PSD, votar PSD é votar Chega: é tudo o mesmo, afinal. É tudo o mesmo?? Faz sentido pensar, refletir, votar? E esta confusão, este caldeirão em que as ideologias se volatilizam para se cristalizarem ambições, como escrevia Umberto Eco, é uma espécie de entrada nos infernos que nos faz perder o caminho até que o caminho deixe de ser visível e o destino perca solidez.

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