Sento-me à beira da tarde, na rua demorada da minha memória, para escrever esta crónica.

Por ser verão, apetece-me sempre escrever sobre o tempo com tempo que havia dantes, quando éramos novos e não havia lume nas serras, nem esquisitices meteorológicas. O verão era o verão e ponto. E havia sol. E calor. E ameixas.

Da memória desse tempo, persiste o cheiro das uvas americanas nas latadas e as gargalhadas livres dos pássaros a debicar a fruta madura.

Na telefonia, a música pedida, - atenção, atenção, sítio da… do seu marido ausente … enfeitava o silêncio preguiçoso dos quintais e interrompia, tantas vezes, as histórias dos livros, lidos mais de uma vez, enquanto não chegava a carrinha da Gulbenkian, com livros novos que alimentavam outras tardes desses dias sem fim, quando os nossos acabavam.

Demorava-se o tempo nas tardes de verão. Quentes, as tardes demoradas desse tempo. Alaranjadas. É difícil encontrar, agora, tardes assim. As tardes de verão de agora voam loucas sobre os beirais da vida e fazem-se noite depressa, sem nos dar tempo para aproveitar a preguiça mansa dos dias ou o conforto das cadeiras de vime abrigadas à sombra das árvores ou da vinha.

Já não nos deitamos no chão de terra a correr atrás das nuvens que fazem do céu o seu quintal. Já não nos sentimos livres porque há sempre alguma coisa que se pode ir adiantando, porque temos sempre de antecipar os dias que hão de vir, porque temos de…

De vez em quando, porém, (e eu acho que só consigo isto, no Porto Santo), sentamo-nos na tarde que nos resta e permitimo-nos esvaziar a nossa finitude. E fazemos de conta que ainda temos tudo à nossa frente, porque o tudo é esse mar azul que nos embriaga.

Convido-o a ficar comigo. Somos miúdos, outra vez. E eternos. E é verão. E as tardes são longas. E há livros e nadas à espera de nós.