Perco, às vezes, o meu olhar nas paisagens e deixo que algumas coisas habitem em mim. Perco-me na beleza das coisas mais iluminadas, agora, que é primavera. Perco-me na beleza que me rodeia: a das pessoas, a da natureza, a das casas, a da arte, a da poesia, a da vida.
Apetece-me, hoje, falar desse mistério que é contemplar, num tempo em que a velocidade me lembra sempre o verso de António Gedeão (já o citei tantas vezes!), «Tudo é foi», Apetece-me entrar no segredo da beleza e deixar que ela me mostre o outro lado do caminho: o que tem flores plantadas na berma, o que tem vista para os campos de trigo, o que tem uma varanda sobre o mar, o que tem (ainda) alguma esperança.
Diz Pablo d’Ors, num livro que ando a ler, que «a beleza só chega para os que a esperam». Para isso, é preciso parar para contemplar. Esperar. Sem mais. Sem a necessidade de interpretar, porque isso é função dos historiadores e dos críticos de arte. Olhando, apenas, deixando que o visível trabalhe, em nós, o invisível e nos ensine a gratidão.
O mistério da contemplação está no facto de envolver todos os sentidos: olhar significa ver com os olhos, com os ouvidos e com as mãos e implica perder-se na descoberta deste caminho que tem cheiros e sabores, que tem saberes e memórias. De nada me serve saber de pintura se o quadro não entra em mim ou da composição da água do mar, se o infinito azul que vejo da minha janela, não tem nenhum efeito no modo de sentir a minha pequenez.
Peço-lhe, hoje, então, que se sente comigo, no chão destas palavras e me ajude a olhar. Afinal (lá vou eu roubar ideias), "o olhar é um voo que nos leva" (José Luís Peixoto) e o mistério está ao alcance da nossa vontade.
Paramos juntos? Vamos deixar (só um bocadinho, porque a vida não é branda) que a beleza habite em nós. Talvez o resto fique mais bonito.