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Artigo de Opinião

Professora Universitária

3/04/2023 05:16

Se, na última sexta, o alargamento do prazo para a denúncia da vítima de seis meses para um ano gerou o consenso do hemiciclo, o entendimento da bancada socialista e social-democrata no que toca à proteção à vítima difere das associações para as quais é determinante que, como aconteceu para a violência doméstica, a violação seja considerada crime público. A APAV, por sua vez, aconselha a que o crime seja considerado de "natureza pública, mas mitigada", dando a oportunidade à vítima de suspender, por opção própria, o processo.

A Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, Dra. Maria Clara Sottomayor, explicou de forma muito clara no programa "Mulheres com Palavra", de 1 de abril, a diferença que existe entre crime contra a pessoa e crime não público ou semipúblico e a vital importância de fornecer à vítima uma situação de segurança que a proteja das pressões dos violadores, muitos deles pertencentes ao círculo familiar ou de pessoas próximas. Se uma vítima deste tipo de crimes já tem de lidar com o horror do que lhe aconteceu e não raras vezes esconde ou tenta esquecer a situação que parece que lhe sujou para sempre o corpo e a alma, é fácil imaginar quanta força tem de ter para apresentar queixa, e avançar com ela, contra quem muitas vezes lhe permite o sustento, é seu familiar ou do grupo de amigos, ou ainda quando é uma figura de autoridade (profissional, religiosa, etc.) da qual depende. O crime sendo considerado público permite ao Ministério Público agir sem ter de pesar ulteriormente sobre a vítima - isto é, colocando-a numa situação de ter de ser necessariamente ela o sujeito do processo, quando a maior parte das vezes tem uma situação de subalternidade em relação ao violador.

Alegar que, sendo a violação um crime público, a exposição da vítima será maior do que no caso de crime contra pessoa e crime semipúblico e aumentará ainda mais o seu sofrimento, é não dar às vítimas a força e a proteção das quais de facto necessitam. E defender que hoje em dia as mulheres e homens vítimas de violação têm todas as capacidades e oportunidades para fazer queixa e encontrar mecanismos de proteção, é esquecer o que M. Graziosi escreve a propósito da mulher no imaginário penal: pensar que a violação conjugal, dentro de casa ou em contexto profissional ou religioso é exclusiva de contextos sociais e religiosos arcaicos ou culturalmente "atrasados" exprime a hipocrisia de quem não quer reconhecer o "nosso passado no nosso presente".

A verdade é que muitas vezes somos surpreendidos com a indulgência de magistrados e de toda a máquina da justiça em relação aos crimes de violação, em sintonia com a mentalidade comum, numa sociedade em que as "normativas" misóginas se alicerçam num ainda amplo consenso social que a cultura ocidental considera que já está largamente superado. E não é verdade. Como o demonstram alguns processos por violação e abusos sexuais, em que os juízes verificam se a mulher tinha à disposição os meios instintivos e preventivos para fugir à "sedução" masculina e se o seu comportamento foi adequado e não provocatório, fazendo da vítima a criminosa. É necessário um entendimento destes crimes que façam a pedagogia dos próprios magistrados.

Cometido por um criminoso no corpo de uma outra pessoa, como o homicídio, a violação não pode ser subjetiva. Se se trata de defender a propriedade e incolumidade do seu corpo, entendido como individual, é, por isso, pessoal, mas também é verdade que qualquer crime que o coloque em perigo é público, porque é contra o direito humano de viver sem se ser agredido.

É preciso, assim, fazer uma pedagogia da própria sociedade que ainda vê os crimes desta esfera como delitos que dizem respeito apenas às vítimas. Não dizem. Estamos todos envolvidos.

Luísa Antunes escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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