O Presidente da Rússia pediu hoje a retirada de civis de Kherson face à contraofensiva ucraniana, enquanto Kiev e Ocidente tentam decifrar se Moscovo está a preparar uma saída das tropas ou criar uma armadilha para as forças ucranianas.
Claro que quem mora em Kherson deve ser retirado da área das ações mais perigosas, porque a população civil não deve sofrer bombardeamentos, ofensivas, contraofensivas e outras medidas relacionadas com operações militares", afirmou Vladimir Putin, após colocar flores num monumento por ocasião do Dia da Unidade Nacional.
Pouco depois, o Ministério da Defesa russo veio acrescentar que as unidades do Distrito Militar do Sul "transportam diariamente até 1.200 veículos, tanto camiões como automóveis, além de mais de 5.000 civis para a margem esquerda do rio Dnieper".
"Os cidadãos são fortemente aconselhados a deixar a margem direita da região e a cidade de Kherson, pois é possível, em breve, um bombardeamento massivo da capital regional", justificou também hoje o vice-governador pró-russo de Kherson.
Kiril Stremousov anunciou, paralelamente, um recolher obrigatório a partir das 24:00, mas acabou por mudar de ideias para sublinhar que "não há restrições para os habitantes" da cidade.
"Em Kherson tudo está agora sob o controle total das forças militares e policiais. Há uma luta 24 horas por dia, sete dias por semana, contra possíveis provocações", disse Stremousov.
Em outubro, as autoridades pró-russas de Kherson ordenaram a retirada de cerca de 80.000 cidadãos da margem direita para a esquerda do rio Dnieper face à aproximação das forças ucranianas, e incluíram a capital da província há duas semanas.
Esta semana, também estenderam a medida à margem esquerda do Dniepre para retirar outras 70.000.
As especulações sobre os próximos passos de Putin nesta frente, onde a Ucrânia já recuperou grandes áreas, dispararam no dia anterior, quando Stremousov admitiu que "o mais provável" é que as tropas russas marchem "para a margem esquerda", o que significaria abandonar ao seu destino a única capital regional nas mãos da Rússia.
Soma-se a isso o facto de um autarca fiel a Kiev ter afirmado que as tropas russas abandonaram três postos de controlo anexos à cidade e que a bandeira russa desapareceu do prédio da administração regional, transferido no final de outubro para Genichesk, a dezenas de quilómetros mais a sudeste, perto da península da Crimeia.
O jornal russo Komsomolskaya Pravda, no entanto, garantiu que a bandeira tricolor continuou hasteada noutros prédios, como a Academia Marítima de Ushakov.
Mas quer Kiev, quer o Ocidente tentam decifrar se todo este contexto é, de facto, uma retirada ou, afinal, uma armadilha.
O ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, não descartou hoje a retirada total das tropas russas para a margem esquerda, anunciando-a como um "gesto de boa vontade", tal como fez quando se retirou na primavera das regiões de Kiev, Sumi e Chernigov.
No entanto, Reznikov admitiu a possibilidade de se tratar de uma operação "informativa e psicológica especial" para que a Ucrânia acredite numa falsa retirada e caia na armadilha.
O ministro da Defesa ucraniano sublinhou que, atualmente, as chuvas estão a dificultar as operações no terreno, mas lembrou que as tropas russas utilizam os canais de irrigação da região agrícola como trincheiras.
"Mas estou otimista com a operação Kherson. Eu sei que vamos acabar com esta guerra com a desocupação total de todos os territórios ucranianos", enfatizou.
No entanto, o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW) dos Estados Unidos frisou hoje que "ainda não está claro" se as forças russas defenderão a cidade de Kherson.
"Observamos que as forças russas continuam a preparar posições na margem esquerda do Dniepre, enquanto continuam a estabelecer linhas defensivas a noroeste da cidade e a transportar as forças mobilizadas adicionais para lá", indicou o ISW.
O instituto norte-americano lembrou que Putin disse hoje, 49.000 mobilizados de um total de 318.000 - incluindo voluntários - já estão a realizar missões de combate na Ucrânia, e que reiterou ser "inevitável uma guerra contra o regime neonazi de Kiev".
Putin também chegou a comparar o conflito com uma guerra civil, já que nega a própria existência da Ucrânia.
"Assumimos a responsabilidade de prevenir uma situação muito mais difícil. Lembramos o que aconteceu em 1941, quando, apesar dos dados dos serviços secretos sobre a inevitabilidade de um ataque à União Soviética, as medidas de defesa necessárias foram adiadas e pagamos um preço bem alto para vencer o nazismo", sublinhou o Presidente russo.
"Sim, agora também não é fácil. É difícil e também é amargo porque o confronto está a acontecer dentro de uma aldeia, tal como aconteceu depois das revoltas de 1917: as pessoas voltaram a confrontar-se" numa guerra civil, observou.