Há umas semanas li um texto do Ricardo Araújo Pereira publicado no Expresso, onde criticava a frase típica portuguesa “a minha liberdade acaba onde a dos outros começa”. Escrevia sobre os problemas de ser uma bandeira aparentemente sensata, mas limitadora da liberdade do outro. É sem dúvida uma questão importante, porque mostra muito sobre a mentalidade portuguesa.
Quando limitamos a nossa liberdade e a dos outros com uma fronteira, implica que as liberdades não se misturam. São imaculadamente separadas. Infelizmente isto traduz uma visão dicotómica da realidade - preto ou branco, certo ou errado; visão essa que raramente existe. Em termos de saúde mental, o problema surge sobretudo nas relações familiares entre pais e filhos. Se os filhos ousam sair dos padrões definidos da realidade dos seus pais, pode significar uma catástrofe familiar.
É muito importante percebermos porquê que isso acontece e o que fazer para evitar. Na minha opinião, o problema começa por as pessoas definirem a sua identidade pelos grupos a que pertencem. Ser-se heterossexual, mãe, católico, benfiquista, funcionária pública, ... são tudo categorias ou grupos a que se pertence. Como é que respondemos à pergunta: quem é que eu sou? Eu sou ... e as primeiras palavras que escolhermos, são as do topo da hierarquia. Disfarçado nos diferentes grupos, encontramos a mentalidade de: “ou estás com o grupo, ou estás contra o grupo”.
Uma segunda parte do problema é a crença base de quem são os filhos. Os filhos são seres individuais, com os seus direitos e deveres, que crescem com o apoio de adultos responsáveis para serem a sua melhor versão ou são extensões dos seus pais, quais terceiros e quartos braços ou corações adicionais, que se escolherem um caminho diferente, ameaçam a sobrevivência de seus pais.
Este segundo tipo de parentalidade, a que não consegue dissociar a imagem dos seus filhos da sua identidade, é a principal causa de sofrimento nas relações entre pais e filhos. Por quem quer que os filhos sejam, estão condenados a algo entre a desilusão completa dos seus pais e a escravidão eterna das suas vontades.
Com a maturidade da vida adulta, é importante conseguirmos separar-nos emocionalmente dos outros e a separação emocional dos filhos é a mais importante. Separação não no sentido do divórcio, mas no sentido de dar a verdadeira liberdade aos filhos. A liberdade para eles serem o que quiserem ser.
Nas últimas semanas deparei-me com várias situações de recém-descoberta da homossexualidade dos filhos. Reações diferentes, uns de aceitação profunda, outros de apenas superficial, mas as que mais me preocuparam foram as de completa desorganização emocional. Um pai pode sofrer quando imagina algo diferente do que acontece na realidade, não é errado. Normalmente existem vários sinais que já indicavam que deveria esperar um resultado diferente, mas nem sempre é fácil aceitá-los. Mas é sempre importante respeitar o que se passa com os filhos, porque aceitar a diferença e manifestá-la é bastante mais difícil como filhos, do que como pais. São os filhos que são diferentes, são eles que têm de enfrentar o estigma do mundo e tudo o que está associado. Inúmeras depressões e suicídios estão associados à incompreensão familiar. Quanto mais depressa a família aceitar e compreender a diferença, mais sofrimento se evita. E sim, é profundamente errado forçar os filhos a serem o que não são. A terapia de conversão é atualmente crime. Que o real amor entre pais e filhos quebre a incompreensão paterna.