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Artigo de Opinião

DE LETRA E CAL

16/05/2022 08:15

"Era uma casa - como direi - absoluta. / Eu jogo, eu juro. /Era uma casinfância." Herberto Helder escreveu assim. E as casas realmente também se escrevem antes e depois do fim. Seja o fim da infância, seja o fim do amor, seja o fim da vida. As casas também se conjugam com o que dentro delas se viveu e, por isso, podem juntar-se numa só palavra como a da casinfância.

As casas estão ali para serem escritas, ditas, construídas pelas palavras e pela memória.

À casa chegava-se por dois caminhos: um largo e solar e um estreito e sombrio. Não triste, apenas feito de sombras e pedras, também de algum lodo quando a chuva persistia.

Era um caminho avesso a motores e a velocidades, mas próprio para se descer e subir de mão dada. É assim que o recordo, um caminho pela mão e depois um caminho de mãos vazias.

Um caminho igual à casa, correlato. Também a casa de mãos dadas e depois a casa de mãos vazias.

A casa era sobretudo feita de luz. Das diversas luzes que a habitavam durante o dia e que entravam por todas as janelas, até a casa ser quase só essa energia do que vem de fora.

Uma 'casaluz', onde se entrava pelos livros e se subia até ao lugar onde fomos mais verdade, onde fomos a verdade toda de uma vida breve e significativa.

A 'casamúsica' na banda sonora que hoje toca as mãos vazias e o coração sem o som desses dias, durante os quais se esperava que não fosse o fim.

Era uma 'casamor' com a calma sabedoria de quem se sabia chegado à casa de partida, com o reconhecimento das sombras do jardim e com o canto dos pássaros nos dias que antecedem as tragédias. Está lá o universo e o destino a garantirem que assim será, que a tragédia sobrevoará o telhado da casa, da vida e deixará cair a noite para atacar. Pasmadas as paredes, pasmadas as janelas fechadas, pasmados aqueles que na casa vivem, sonham e escrevem.

Era uma 'casalivro', que se lia aproveitando a luz doce da tarde, e o sorriso que ainda se guarda na memória cada vez mais nítida. São precisos anos para focar os momentos fugazes e felizes até termos a fotografia que nos acompanhará até ao fim.

São precisos anos para que a casa se construa com a nitidez da vida que se viveu nela.

Uma casa só se conclui muito tempo depois do fim. Somos todos arquitetos lentos, feitos para subir de mãos dadas por caminhos de sombra até a luz da casa.

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