É dinheiro extraído ao contribuinte e posto à responsabilidade do tal titular de cargo público, aplicado em negócios que, de forma directa ou indirecta, o beneficiam. A não ser que o sucesso seja hermético em relação ao cônjuge, ou ao familiar directo, a adjudicação de este ou aquele negócio, ou atribuição deste ou daquele subsídio, beneficia o titular do cargo, mesmo quando este não é quem toma a decisão. É mais que sabido que, em Portugal, se pratica o respeitinho pelo "dono", mesmo que o "dono" não o exija de forma explícita. Os madeirenses sabem-no bem, fruto de uma vasta experiência.
No meio desta recente e farta série, é mais do que possível que haja casos em que não houve intenção dolosa absolutamente nenhuma, casos em que houve uma honesta distracção, e casos em que a esperança na habitual vista grossa saiu furada. Entre os casos, é certo que se encontrarão flagrantes ilegalidades, enquanto outros fluirão, incólumes, pelas fendas do texto da lei. No entanto, nenhum escapa à crítica ética.
Há quem defenda que, nos casos em que não é possível escapar à letra da lei, é a lei quem deve ser corrigida, não a prática, uma vez que tal lei retira direitos àqueles que têm o azar de aceitar desempenhar funções governativas, ou são familiares de quem o faz. O problema, aqui, é que os contratos por ajuste directo e os subsídios distribuídos não são pagos por fundos pertença dos governos (nem os governos, nem o Estado, têm fundos próprios), mas por contribuições impostas, por força de lei, ao cidadão que sua para produzir riqueza — anda por cima escassa, na maioria dos casos. Por esta razão, além da cuidada parcimónia que deve ser aplicada ao uso daqueles fundos, é preciso fazê-lo com honestidade máxima e esvaziando qualquer hipótese a que se desconfie dessa honestidade. No fundo, não basta à mulher de César ser séria; ela também tem de o parecer.
Todos conhecemos, desconfio, alguém que já tenha feito algo que até considera ser errado, mas não é ilegal, apenas porque achou ser mais prático ou conveniente. Parece-me ser cada vez mais frequente, em Portugal, elevar a lei ao estatuto de ética, despindo a própria ética de significado. Se não for proibido, pode fazer-se sem pruridos ou constrangimento. Lembro que o Apartheid, por exemplo, era um sistema legal — eticamente pouco aconselhável.
Parece-me ser importante, no entanto, uma boa prática ética dos indivíduos, para que a sociedade em que estes se inserem seja uma de mais fácil convivência, onde a confiança mútua não se esbata a cada transgressão. A lei, por princípio, deve espelhar, de forma clara e sóbria, a ética da sociedade que a produz, sim, mas não se deve, não se pode, substituir a esta. A lei é feita por um pequeno punhado de indivíduos falíveis, com interesses e lealdades entre eles, com vontade de fazer sempre mais para corrigir e limitar os outros (raramente aos próprios). A ética, a moral de uma sociedade, é o produto dos muitos conflitos entre indivíduos e grupos, resolvidos e negociados ao longo de anos e anos, e que esbatem a conflitualidade inerente à vida em sociedade do animal social que é o ser humano.