A palavra escrita, por sua vez, está despojada de toda essa informação extra, e mesmo com a adição de sinais de pontuação, é necessária uma escolha mais criteriosa, auxiliada por outras palavras para que consigamos escrever o que queremos. Nesse sentido, a palavra escrita tem outro peso, é por assim dizer, mais pura. Por isso habituamo-nos a valorizar de outra maneira a palavra escrita e não é também por acaso, que escolhemos a forma escrita para fixar a palavra dada sobre a forma de contratos.
A maior parte de nós cresceu confiar mais na palavra escrita, imutável, do que na palavra dita, mais volúvel. Podemos preferir meios de comunicação mais dinâmicos, mais rápidos como, a rádio, a televisão ou outros meios audiovisuais, mas continuamos a procurar informação fidedigna (ou a procurar confirmar que o é) nos jornais, em publicações académicas ou noutras publicações.
Levamos esta confiança ao ponto de nomearmos a imprensa e quem exerce o jornalismo de forma séria como guardiães da Liberdade e da Democracia, como referi no meu último artigo.
No entanto, essas pessoas são isso mesmo: pessoas. Pessoas que confiam noutras pessoa, as suas fontes, para que possam partilhar informação que, como dizia o Padre Manuel Antunes há seis décadas, possa "servir aquilo a que, na realidade objectiva e na ordem dos valores, está destinada, isto é, a verdade", mas que, acrescentava, "pode [também] servir o seu contrário" e propunha como remédio "uma ética de mútuas e múltiplas implicações que não é lícito nem iludir nem isolar. Isto dito, poderá assim formular-se o seu fundamental princípio regulador: «Nada transmitir de falso e nada omitir de verdadeiro»".
Nos dias que correm ouvimos falar, cada vez mais, em "fake news" ou notícias falsas, uma expressão que é, nesta definição, algo contraditória. Se não cumpre o princípio anterior, de rigor para com a verdade não pode ser considerada informação, e se não informação não se tratará de notícias, mas de boatos, mentiras ou na sua forma mais refinada e perigosa, desinformação. Mas que existem, existem.
Um boato ou uma mentira podem, muitas vezes ser desmontados, mas a desinformação tem métodos próprios que o tornam mais difícil. Por vezes basta levantar a dúvida e deixar que cada qual chegue à sua própria conclusão. Em 2010, Naomi Oreskes e Erik M. Conway, historiadores da ciência lançaram o livro "Merchants of Doubt", traduzindo à letra, "Mercadores da Dúvida", no qual explicam como indústrias como a do tabaco ou a dos combustíveis fósseis conseguiram protelar regulamentação do Estado por algumas décadas simplesmente contratando pseudocientistas cujo único propósito era desacreditar os estudos científicos. Já nos anos 50 do século XX, revelavam uma relação causa-efeito entre o consumo de tabaco e alguns tipos de cancro, como o cancro do pulmão, mas foi preciso mais de três décadas para introduzir regulamentação antitabágica. De igual modo, o efeito dos gases de estufa no buraco do ozono e nas alterações climáticas é conhecido desde os anos 60 e ainda hoje há quem faça carreira política pondo em dúvida essa correlação.
A tática é semelhante à das séries advogados na televisão americana: como o padrão necessário para uma condenação nos EUA, é que a prova satisfaça para além de uma dúvida razoável, basta levantar uma dúvida razoável e as teorias da conspiração funcionam por si.
A quem serve? Se usarmos a máximas das mesmas séries e procurarmos seguir o dinheiro ou, em última análise, o poder, conseguimos chegar lá.