O COVID-19 veio alterar os paradigmas recentes de funcionamento da nossa sociedade. Um dos principais, e recentes, é a falta de mão de obra. Dois fatores parecem instalar-se: muitos dos trabalhadores que foram vítimas de layoff durante a pandemia, sobretudo os de salários baixos, estão agora a recusar-se voltar aos antigos empregos; por outro lado, outros, os dos níveis intermédios e superiores, após meses em teletrabalho, começam agora a sair, porque sentem que, afinal, as carreiras e os empregos que tinham, não evoluem para o devido reconhecimento, ao que juntam agora a inflação (e, consequente erosão salarial), começando a procurar fora alternativas mais compensadoras.
Poderá avizinhar-se um novo poder negocial por parte dos trabalhadores. Com mais empregos por preencher, poderá ser necessário pagar mais, e melhor, para reter a força de trabalho, sobretudo, o talento. Veremos.
Mas, para além de uma perspetiva estritamente pecuniária, começam a emergir outras compensações, muito por causa da transformação da economia e dos recursos exigidos. Cada vez mais a consciência climática releva. Realidade incontornável nos próximos anos. As empresas começam a sentir-se motivadas a oferecer mais tempo livre e de descanso aos funcionários.
Four Day Week Global, assim é designado, faz parte de uma campanha internacional que inclui os EUA, o Reino Unido, entre outros países. A ideia não será original e há quem a remonte a 1956. Nixon, então vice-presidente EUA, previa uma semana de trabalho de 4dias num: "futuro não muito distante".
A Irlanda vai fazer uma experiência da semana de 4 dias, a partir de fev. 2022. Este programa-piloto de 6 meses, abrange 17 empresas irlandesas e reúne sindicatos, associações e universitários, na sua avaliação. Estas, serão apoiadas e contribuirão para a investigação académica financiada pelos Dep. de Emprego e Ambiente com um valor de 150 mil euros. Kevin Callinan, Secretário-geral do Sindicato irlandês Fórsa, resume o modelo: "80 % de tempo, 100% de pagamento, 100% de produtividade".
Também, em Espanha, o grupo parlamentar Más País, propôs a redução da duração da semana de trabalho de 40 para 32 hrs. (4 dias em vez de 5). O Governo de coligação assumiu o desafio em 2022. Serão selecionadas empresas voluntárias (cerca de 200), de diferentes setores e dimensões, que estejam preparadas para reduzir as horas de trabalho. Receberão apoio financeiro e os seus resultados ao longo do tempo serão comparados com os de empresas que não tenham mudado a sua organização.
Para já existem exemplos onde a aplicação desta experiência já aconteceu. A empresa de software DelSol implementou a semana de 4dias (jan. 2020). Teve de aumentar os efetivos em 15%. O resultado em comparação com 2019: o absentismo diminuiu 28% e o volume de negócios aumentou 20%, tudo isto apesar da pandemia. Mais, a rotatividade do pessoal caiu para 0%, acompanhada por uma melhor fidelização dos funcionários. "Além disso, os inquéritos à satisfação do cliente e ao clima de trabalho mostram uma clara melhoria". "Tudo alcançado sem cortes salariais, antes aumentando-os, tal como previsto no Acordo Coletivo", refere a gestora de RH Ana Arroyo ao El País.
Os dados estão lançados e cada vez mais poderá ser incontornável encarar as mudanças no mundo laboral como inevitáveis e esta oportunidade como um desafio.
Mesmo, para quem veja aqui uma possível quebra na produtividade e recorde sempre a máxima de P. Krugman (Nobel 2008) de que: "a produtividade não é tudo, mas, no longo prazo, é quase tudo", fica a reflexão. Sabendo-se, claramente, que produtividade não se reduz à mera contabilização do número médio de horas trabalho por semana (a Colômbia ocupa a última posição na OCDE em PIB/hora trabalho e tem a semana de trabalho mais longa). A este propósito o Banco Mundial (2020) parece eloquente. Grande variedade de fatores interrelacionados devem interagir, para revitalizar o crescimento da produtividade. É necessário um enfoque integral, que facilite o investimento em capital humano, físico e intangível. Estímulos à redefinição de recursos para setores mais produtivos. Apoios à capacidade das empresas para adotar tecnologia e inovação e criação de contexto macroeconómico e institucional favorável ao crescimento.
Temos eleições a 30 de janeiro, que propostas concretas existem nesta matéria?
Eduardo Alves escreve
à segunda-feira, de 4 em 4 semanas
Investigador