Embora o tema que irei destacar seja menos mediático que a maioria das medidas, é para os arquitetos, os que projetam e os que analisam, motivo de grande apreensão. Refiro-me à medida da simplificação dos licenciamentos de construções destinadas à habitação. Embora esta medida tenha como objetivo terminar ou mitigar as demoras em pareceres e análises dos projetos e seja há muito tempo necessária, deixa sérias dúvidas quanto à sua aplicação.
A simplificação dos licenciamentos, com os dados que possuímos até ao momento, irá gerar um desempenho burocrático para os municípios que se tornará ingerível, pois embora os técnicos municipais passem a analisar apenas a inserção urbanística dos projetos apresentados, alguém terá que efetuar as eventuais denúncias de incumprimento da restante legislação aplicável, ou não haverá fiscalização de qualquer tipo?
Restam, portanto, dúvidas se essa fiscalização recairá nos técnicos municipais ou se todos os processos terão que tramitar pelas ordens profissionais para que sejam analisados. Se for esse o caso, irá igualmente sobrecarregar as ordens profissionais imputando-lhes um caráter de fiscalização absurdo, quando as ordens, na sua maioria, não possuem uma estrutura orgânica para tal.
Para os autores de projeto, esta medida é igualmente preocupante pois assenta na sua clara responsabilização, numa circunstância em que é difícil falar de responsabilidade dado que a legislação relacionada com a construção está dispersa em mais de 2000 diplomas. A simplificação - que é desejada - não pode implicar a sobrecarga do papel do arquiteto.
Para haver uma simplificação burocrática e respetiva responsabilização dos técnicos torna-se necessário a criação de um Código da Construção que reúna toda a legislação num único documento, tal como acontece com outros códigos (estrada, civil, predial, entre outros), simplificando com isso a análise e o efetivo cumprimento do enquadramento legislativo.
É neste ponto que o estado deveria ter auscultado antecipadamente as ordens profissionais com influência direta, com o intuito de criar as condições necessárias para que de facto a relação entre responsabilidade e responsabilização, possa de facto ser uma relação de causa-efeito.
Simultaneamente, analisando esta medida de um outro ponto de vista, esta correta responsabilização dos autores de projeto poderá ter um efeito positivo secundário: a mitigação de um (outro) problema silencioso que desde sempre assombra a prática da arquitetura: o exercício de atos de arquitetura por profissionais que não estão qualificados para tal (entenda-se topógrafos, desenhadores, designers de interiores, entre outros) que se socorrem depois de arquitetos prevaricadores que assinam os projetos contribuindo ativamente para a desvalorização da sua profissão.