Para um autonomismo forte é necessário, por isso, uma ética de construção que envolva toda a sociedade, num novo humanismo que valorize a responsabilidade, o sentido de valor do indivíduo e das escolhas que faz, colocando como central a questão moral, de sentido e de justiça. Numa época em que no interior dos regimes democráticos se desenvolvem movimentos neofascistas, populistas e nacionalistas -- que, da marginalidade e da sombra, agora ganham a cena pública, alardeando os seus preconceitos sociais, étnicos e elitistas e as suas tendências totalitárias e autoritárias, sem pudor algum --, em que o cravo vermelho é substituído em sessões públicas por decorações "apolíticas" e em que a flor que representa a liberdade que hoje se goza é abandonada numa cadeira ou recusada, falar de autonomia e da questão moral nas instituições nunca foi tão fulcral.
Vivemos, infelizmente, o que Maria Vargas Llosa apelidou de "civilização do espetáculo", em que a política faz ajustes táticos para agradar a grupos, manipula informação e muda de opinião consoante as técnicas de marketing, abandonando o justo pelo que dá votos. Civilização do espetáculo, porque o que interessa é aparecer, porque descura o SER, vive da fotografia, do ângulo, da crise do conceito de comunidade. Uma crise de comunidade que afeta de forma profunda o autonomismo, porque a ele sobrepõe o individualismo sem limites, a proteção dos mais fortes e dos mais ricos, vendo os mais pobres, mais fracos, com menos oportunidades como meras baixas necessárias para que se possa vencer e dar-se a ver de forma espetacular.
O cravo vermelho, que alguns desdenham com orgulho, representa a possibilidade de autonomismo, do verdadeiro, o que legisla e protesta contra as injustiças e contra qualquer autoritarismo que não permita a possibilidade de escolha. No fundo, lembra-nos a utopia do possível, aquela em que o homem deve ser despertado para o uso da sua inteligência, da sua capacidade política de formar e contribuir para o autonomismo. Com espírito consciente, otimista, criativo, ligado ao ambiente real e com uma amplitude e dimensão ética.
Ultimamente, muitos têm trilhado um caminho de confusão moral, de anestesia ao sofrimento e às desigualdades sentidas pelas comunidades, coração da autonomia, de irracionalidade que só destrói o espírito autonómico e as suas legítimas aspirações de uma utopia possível. Uns que, sendo partidários, defendem o apartidarismo dos outros; outros que clamam independência, depois reduzem o que disseram a mera metáfora, outros que a pretendem levar a referendo, numa hipérbole da metáfora; ainda outros, políticos, que defendem o apolítico; uns que fazem a memória servir os seus intentos, apagando cravos. Uma espécie de ter olhos abertos e esperar na cegueira dos outros.
A experiência autonómica deve ser moral, intelectual e política. Contrastar as prevaricações, autoritarismos e soberanismos, sob pena de ser apenas instrumento para uso de alguns. A luta contra a apatia alimentada por quem a deveria contrariar e contra a irresponsabilidade de afirmações metafórica e hiperbólicas é a base da justiça e da liberdade. É por isso que a moral tem de ser uma prática pública e a ética deve existir na política como na vida. A utopia do possível é sempre mais urgente, quando os tempos são de distopia e a tendência oculta é a tirania do não ético, da vontade de cancelar a história e de fazer reinar uma única visão do mundo, pequena, pobre e sem solução senão a da própria defesa. Com ódio às pétalas de uma flor que lhes quer tirar privilégios. Mas, o possível está aí.