Na semana passada, os Membros do Parlamento Europeu reagiram ao retrocesso da saúde sexual e reprodutiva das mulheres em todo o mundo, incluindo nos EUA e em alguns países da UE, apelando a um acesso seguro ao aborto. Sim, porque este não é um problema das mulheres americanas. Como disse a eurodeputada Samira Rafaela: "A decisão do Supremo Tribunal dos EUA não só terá um impacto directo em milhões de mulheres e raparigas nos EUA, como também encorajará os movimentos anti-aborto no resto do mundo".
Os movimentos pró-vida (ou anti-aborto) falham em perceber que aborto é pró-vida. É pela vida da rapariga de 11 anos que foi violada por um membro da família, é pela vida da jovem que engravidou porque o preservativo rompeu, é pela vida de uma família no limiar da pobreza que não tem possibilidades de alimentar mais uma boca, é pela grávida de sete meses que tem complicações e necessita de um aborto para salvar a sua vida, e é pelas mulheres, casais, pessoas com úteros que simplesmente não querem ou não têm como sustentar uma criança.
Ao longo de décadas, dados demonstram que as proibições do aborto têm um impacto mais severo nas pessoas de grupos marginalizados que já lutam pelo acesso aos cuidados de saúde. Em Portugal, quando o aborto foi legalizado, registou-se 18.607 interrupções voluntárias da gravidez em 2008. Este número tem vindo a baixar e em 2021 registaram-se 12.159 abortos. E mulheres mortas ao longo destes 14 anos? Zero. Porque proibir o aborto não significa que este deixará de existir. Apenas significa que mais mulheres irão morrer porque terão de recorrer a práticas inseguras para fazer uma interrupção ilegal.
Os Eswtados Unidos podem estar do outro lado do oceano, mas até na Europa há países que não permitem que as mulheres tenham autonomia sobre o seu próprio corpo. O caso mais gritante é o da Polónia onde o governo populista de direita, PiS, apertou as medidas abortivas ao ponto de as tornar inacessíveis, enquanto que em estados como a Croácia, Eslováquia e Lituânia, estão a ser discutidas leis restritivas. Em Malta e Andorra, o aborto é ilegal.
Sabe que tipo de políticas reduzem de facto o número de abortos? Mais planeamento familiar, mais acesso gratuito a contracetivos, mais saúde pública de acesso universal, mais educação sexual.
Ainda sobre o Plenário do Parlamento Europeu da semana passada, os eurodeputados instaram que o direito ao aborto deve ser incluído na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Porquê? Porque é um direito fundamental! Uma proposta de emenda ao artigo 7 da Carta deverá ser apresentada ao Conselho, acrescentando que "todas as pessoas têm o direito ao aborto seguro e legal". Os eurodeputados esperam que o Conselho Europeu se reúna para discutir uma Convenção de revisão dos Tratados da UE.
Como li num meme: fusos horários são curiosos; em Roma são três da tarde, na Austrália duas da manhã e nos Estados Unidos é 1960. E termino com uma frase da eurodeputada Samira Rafaela: ‘’De uma vez por todas, os políticos de todo o mundo devem manter as suas políticas sujas afastadas dos nossos corpos!’’